segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Veio de não sei onde e ficou.

- Não vou mentir para você, eu tenho ciúmes desse cara.
No outro lado da linha ela riu como nunca antes.
- Mas por quê?
- Porque você encontrou alguém e pra mim nós somos para sempre, como uma doença ou sei lá o que.
- Só se for uma doença venérea.
Ela ria sem parar, para mascarar, chutar para baixo do tapete a dor que vinha à tona quando se falavam - uma vez a cada trimestre.
A risada dela invadia os ouvidos dele e o confundia, se ao menos pudesse entender o que ela sentia agora, se era ironia ou desespero.
- Não tem graça – ele replicou.
- Eu achei engraçado!
Disse tentando engolir a risada.
- E o que é que você não acha?
Riu na tentativa de manter o humor dela, mas o silêncio rolou pelos fios telefônicos, atravessando os estados, batendo em cada poste que aparecia, transformando-se em uma avalanche.
Avalanche de desânimo.
- Não te ver há mais de três anos. Isso não é engraçado.
E o desânimo vinha rolando montanha à baixo, estado a baixo, cada vez mais rápido, cada vez maior. Peso, altura, percurso, aceleração e gravidade!
- Não entendo esse teu masoquismo.
Dizia que não entendia, no entanto gostava de relembrar dos sabores e dos cheiros dela quando se sentia sozinho.
- Se eu não me torturasse não teria mais vontade de voltar, entende? Enquanto meus ouvidos arderem ao escutar teu nome vou ter vontade de voltar, mas se isso passar eu vou esquecer e você vai ser apenas mais uma história que eu escrevi.
- Hum! Essas coisas me machucam também.
- Eu sei.
- Sabe?
- Sim. Sadomasoquismo. Quando deixar de doer em ti, eu vou te esquecer.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

1.900 Beira-mar

Acordou zonzo, o perfume dela no ar, tateou a cama esperando encontrá-la como encontrou na madrugada, mas agora ela não estava.
Chamou seu nome, mas o silêncio tomava conta da casa, o cachorro correu e pulou na cama queredo carinho, balançando o rabo, lambendo e pulando feito louco, se falasse estaria gritando: CARINHO, CARINHO, CARINHO.
- Vem cá, amigão. Puxou-o para si e o abraçou bagunçando aquele monte de pêlos.
- Sabe onde ela está, Tobby? Para onde foi aquela bruxinha?
O cachorro continuava correndo em cima da cama, balançando o rabo e latindo.
- Acho que ela não gosta de você, tem medo ou sei lá. E o cachorro continuava histérico, correndo da cama até a porta. “COMIDA, COMIDA, COMIDA”, pediria se falasse.
- Eu estou com fome também, vem.
Foi à área de serviço, colocou ração no pote de Tobby e pegou umas bolachas no armário. Voltou para o quarto, tentou ligar para Lara – chamou até cair. “Estranho”, pensou. Deixou o celular no criado mudo, foi até a escrivaninha ligar o notebook e no canto superior esquerdo da tela estava colado um bilhete amarelo, deduziu que tinha sido escrito as pressas pelos garranchos ali escritos.
“Pronto, você teve o que queria. Adeus!”
- Louca – gritou.
Tobby já estava junto dele mais uma vez e latiu como se concordasse.
- Porra, Tobby, ela é insana. Não, insano sou eu que converso com o cachorro em uma situação como essa.
Tobby balançava o rabo todo contente, aquele contentamento inexplicável dos cachorros, mordia o cadarço dos seus tênis e rolava no chão. “BRINCA COMIGO, BRINCA COMIGO, BRINCA COMIGO”.
- Agora não vai dar, amigão, vou procurar essa louca.
Vestiu-se, calçou os tênis, amarrou os cadarços babados e saiu correndo escada abaixo.
Era um dia frio para o verão, o vento estava gelado e os céu coberto de nuvens escuras, logo choveria. Ele andou pelos quarteirões próximos procurando por ela, foi até os bares que ela costumava ir, no mercado onde ela gostava de comprar cigarros e suco de uva, na livraria e na biblioteca onde ela passava horas perdida em meio ao mundo de encantamento das letras. Porém não havia nem rasto, ninguém a tinha visto esta manhã.
Tentou ligar para ela mais de cinquenta vezes, enquanto andou a sua procura, mas ela desligou o celular.
“Diabo, diabo”, pensava aturdido, “O que deu nela pra achar isso? Onde ela se meteu? Ontem ela parecia tão feliz, tão satisfeita quando disse ‘eu gosto de você’ e seus dedos dançaram em meu rosto até eu pegar no sono. O que deu nela?”. Os pensamentos rolavam em um misto de lembranças e confusão.
Entrou na primeira padaria que encontrou para beber um café e colocar os pensamentos no lugar, porque até então só conseguia pensar “diabo de guria estranha”.
No balcão pediu um café preto e um pão de queijo, junto com o pedido chegou um amigo, amigo esse que também conhecia Lara.
- Ih, caiu da cama? – perguntou o amigo.
- Lara me derrubou.
- Eu a vi não tem muito tempo, estava indo na direção da praia. Acho que nem me viu, passou por mim mais rápido que o vento. Ela anda estranha ultimamente, você não acha?
- Acho, acho sim. Tenho que ir agora. Para qual lado da praia ela foi?
- Para o sul, deve estar perto da rua 1.900, ela gosta dos bancos de lá.
- Gosta?
- Sim, por causa das gravuras de peixes vazadas no encosto – riu lembrado do discurso que ela sempre fazia sobre “as incríveis gravuras dos peixes”.
- Ah sim, valeu, cara. Foi bom te encontrar. Tchau.
Nem deu tempo de ouvir a resposta, pois quando o outro respondeu Davi já dobrava a esquina em direção a rua 1.900. Correu dois quarteirões até avistá-la.
Encontrou-a onde o amigo dissera, rua 1.900 beira-mar no banco com gravuras de peixes, e por um segundo sentiu ciúmes por ele saber tão bem sobre suas preferências.
Atravessou a rua e a viu mais de perto, cabelo preso, vestido azul, os dentes dele impressos na pele branca dos ombros e do pescoço e os pés descalços. Naquela hora, sentiu brotar dentro de si uma ternura sem precedentes, queria carregá-la dali e fazer com que todos os pensamentos doentios de sua cabeça se apagassem.
Ela sabia que ele estava ali, logo atrás, estático, sentiu seu cheiro vindo com o vento, mas não se virou, apenas secou as lágrimas e tentou engolir os soluços.
- Oi – disse ele sentando-se ao lado dela.
- Oi – respondeu afastando o corpo.
Olhou para ela e tocou seu rosto inchado de tanto chorar, ela recuou.
- Vem cá – tentou abraçá-la.
- Não, Davi.
Ignorando sua recusa a puxou para perto e a segurou forte. Do céu e dos olhos dela a água veio abaixo, misturando o salgado e o doce, a paranóia e a segurança, o temporal e o pranto.
- Você entendeu tudo errado, bruxinha – beijou sua testa fazendo escapar de sua boca um sorriso. – Deixa eu te tirar daqui antes que um raio nos parta ao meio.
Correram para casa dela, trocaram as roupas molhadas por outras secas e quentes, viraram o sofá na direção da varanda para olhar o temporal lá fora e ficaram ali em silêncio por um tempo.
- Tobby sentiu tua falta.
- E você?
- Eu também.
- Que bom, porque eu não gosto do Tobby.
- É, ele sabe.