domingo, 10 de outubro de 2010

Corta-fogo

A cena é costumeira. Na sala, em frente à televisão, no sofá de dois lugares.
A garota gira a aliança na mão esquerda, ele zapeia os canais.
Próximos fisicamente e só.
Depois de mais de quarenta minutos em silêncio, ela pergunta:
- Você sente minha falta?
Ele digere a pergunta, engole seco e ainda olhando para frente, replica:
- Achei que você não se importasse.
- É, eu também achava, mas...
Não continuou a frase para não passar por cima de si, por egoísmo.
- Mas o quê?
- Nada, é bobagem.
- Hum.
Olhou de novo para televisão, prestou atenção no trailler.
- Eu queria ver esse filme – riu. Deve ser engraçado.
Ela olhava para televisão, mas não via, pensava em tudo ao mesmo tempo e não se encontrava. Ele gargalhou fazendo-a emergir de si.
- Sempre tem um bobo - riu mais alto.
- É, sempre tem.
respondeu se perguntando quem era o bobo ali, agora. Levantou, foi até a cozinha.
- Vou pegar água, quer?
-Não.
Voltou com o copo cheio, sentou e pensou, tentou pelo menos.
- Olha isso no tapete - disse ele. Foi o cachorro, ele vomitou ali.
- Que nojo! Não vai limpar?
- Não, já coloquei um jornal ali em cima, só tem a mancha agora.
- Que nojo! Que porco!
A resposta era automática, como se já viesse pronta dias antes. Ele desligou a televisão. Ela girava o copo com o resto d’água, para misturar o homogêneo, para dissolver os pensamentos.
- Sabe...
Ela tentou falar, mas travou. Sem sucesso.
- Hum. Ele esperou com a habitual paciência.
E mais algumas vezes na garganta dele vibraram algumas notas que permaneceram engasgadas. Ficou tentando não arriscar e querendo ao mesmo tempo.
- O que é? Fala logo!
A paciência monstruosa tinha se esvaído.
Ela respirou fundo e deixou escapar uma frase mal falada.
- Não tem porque a gente continuar.
- Continuar o quê?
Batendo tazzo, a gente não deve continuar batendo tazzo. Que pergunta estúpida.
- Nós dois.
Mesmo irritada esperava que ele protestasse que dissesse que as coisas não eram assim, que ela era radical demais.
- Nunca achei que tivesse algo para continuar.
Com uma frase ele frustrou todas as suas expectativas.
Os olhos estalaram em surpresa a boca se abriu em O e a pergunta rolou boca a fora:
- Nunca?
- Sim, nunca. Por quê?
- Por nada... Mas tudo bem.
Alguma coisa dentro dela fez ‘téc’, uma coisa que ela nem lembrava que existia, que nem sabia mais como usar, o sentimento. E o frio dentro dela tomou conta da sala.
- Eu achei que importava para você.
Ele disse isso porque acreditava, porque parecia e além de parecer era verdade, mas o passo foi infalso, ele passou do limite, do limite dela que era bem mais do que egoísta, era retida, contida, medrosa.
- É eu também achei, mas não importa.
Superficialmente era verdade, por dentro mentira deslavada.
Levantou e andou, ele a seguiu. Abriu a porta, andou pelo corredor.
- Tem certeza?
Ele perguntou enquanto ela apertava desesperadamente o botão do elevador.
“Como demora” pensava “elevador do demônio, como demora” e batia o pé no chão.
- Tenho, sim.
- Então tá.
Ele olhou para a mão dela que tinha a marca da aliança girada, que agora era aliança esquecida, abandonada, jogada no canto do sofá.
O elevador ainda estava no 16º e o silêncio chegava arder nos ouvidos.
- Eu vou de escada - desistiu. Tchau!
- Tchau!
Fechou a porta corta-fogo que cortou ele também, da vida dela.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Eu preciso ficar assim, em casa, no escuro esperando minha mente carregar toda a informação da escrita. Esperando que algo - que eu desconheço - decida qual é a hora de escrever, qual é a situação, a circunstância, qual é o tema.
Mesmo que o tema seja o vazio sempre haverá algo a escrever, aliás, é sobre o vazio que eu escrevo. O meu. O vazio que eu inventei. O vazio que eu vi em alguém que andava aparentemente sem destino pelo canteiro central.
E eu desbravo os vazio dos outros. Cada canto. Cada estrofe.
Como se servisse de consolo, como se preenchesse algo que eu esqueci de sublinhar.


Cristine, 16