segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O que se faz com uma mente vazia?

Eu até gostaria de escrever mais, mas não sai nada exatamente concreto.
As frases pipocam na minha cabeça e não têm liga, fica tudo ali, solto, vago, fervendo e fervendo até a cabeça doer e eu esquecer o que era pra ter sido escrito, ou ser interrompida por alguém dizendo:- Quanto custa, moça?
- Custa meu pensamento, queridona!


Entããão, por algum tempo pensarei e vocês? Well, imaginem!

domingo, 10 de outubro de 2010

Corta-fogo

A cena é costumeira. Na sala, em frente à televisão, no sofá de dois lugares.
A garota gira a aliança na mão esquerda, ele zapeia os canais.
Próximos fisicamente e só.
Depois de mais de quarenta minutos em silêncio, ela pergunta:
- Você sente minha falta?
Ele digere a pergunta, engole seco e ainda olhando para frente, replica:
- Achei que você não se importasse.
- É, eu também achava, mas...
Não continuou a frase para não passar por cima de si, por egoísmo.
- Mas o quê?
- Nada, é bobagem.
- Hum.
Olhou de novo para televisão, prestou atenção no trailler.
- Eu queria ver esse filme – riu. Deve ser engraçado.
Ela olhava para televisão, mas não via, pensava em tudo ao mesmo tempo e não se encontrava. Ele gargalhou fazendo-a emergir de si.
- Sempre tem um bobo - riu mais alto.
- É, sempre tem.
respondeu se perguntando quem era o bobo ali, agora. Levantou, foi até a cozinha.
- Vou pegar água, quer?
-Não.
Voltou com o copo cheio, sentou e pensou, tentou pelo menos.
- Olha isso no tapete - disse ele. Foi o cachorro, ele vomitou ali.
- Que nojo! Não vai limpar?
- Não, já coloquei um jornal ali em cima, só tem a mancha agora.
- Que nojo! Que porco!
A resposta era automática, como se já viesse pronta dias antes. Ele desligou a televisão. Ela girava o copo com o resto d’água, para misturar o homogêneo, para dissolver os pensamentos.
- Sabe...
Ela tentou falar, mas travou. Sem sucesso.
- Hum. Ele esperou com a habitual paciência.
E mais algumas vezes na garganta dele vibraram algumas notas que permaneceram engasgadas. Ficou tentando não arriscar e querendo ao mesmo tempo.
- O que é? Fala logo!
A paciência monstruosa tinha se esvaído.
Ela respirou fundo e deixou escapar uma frase mal falada.
- Não tem porque a gente continuar.
- Continuar o quê?
Batendo tazzo, a gente não deve continuar batendo tazzo. Que pergunta estúpida.
- Nós dois.
Mesmo irritada esperava que ele protestasse que dissesse que as coisas não eram assim, que ela era radical demais.
- Nunca achei que tivesse algo para continuar.
Com uma frase ele frustrou todas as suas expectativas.
Os olhos estalaram em surpresa a boca se abriu em O e a pergunta rolou boca a fora:
- Nunca?
- Sim, nunca. Por quê?
- Por nada... Mas tudo bem.
Alguma coisa dentro dela fez ‘téc’, uma coisa que ela nem lembrava que existia, que nem sabia mais como usar, o sentimento. E o frio dentro dela tomou conta da sala.
- Eu achei que importava para você.
Ele disse isso porque acreditava, porque parecia e além de parecer era verdade, mas o passo foi infalso, ele passou do limite, do limite dela que era bem mais do que egoísta, era retida, contida, medrosa.
- É eu também achei, mas não importa.
Superficialmente era verdade, por dentro mentira deslavada.
Levantou e andou, ele a seguiu. Abriu a porta, andou pelo corredor.
- Tem certeza?
Ele perguntou enquanto ela apertava desesperadamente o botão do elevador.
“Como demora” pensava “elevador do demônio, como demora” e batia o pé no chão.
- Tenho, sim.
- Então tá.
Ele olhou para a mão dela que tinha a marca da aliança girada, que agora era aliança esquecida, abandonada, jogada no canto do sofá.
O elevador ainda estava no 16º e o silêncio chegava arder nos ouvidos.
- Eu vou de escada - desistiu. Tchau!
- Tchau!
Fechou a porta corta-fogo que cortou ele também, da vida dela.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Eu preciso ficar assim, em casa, no escuro esperando minha mente carregar toda a informação da escrita. Esperando que algo - que eu desconheço - decida qual é a hora de escrever, qual é a situação, a circunstância, qual é o tema.
Mesmo que o tema seja o vazio sempre haverá algo a escrever, aliás, é sobre o vazio que eu escrevo. O meu. O vazio que eu inventei. O vazio que eu vi em alguém que andava aparentemente sem destino pelo canteiro central.
E eu desbravo os vazio dos outros. Cada canto. Cada estrofe.
Como se servisse de consolo, como se preenchesse algo que eu esqueci de sublinhar.


Cristine, 16

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Veio de não sei onde e ficou.

- Não vou mentir para você, eu tenho ciúmes desse cara.
No outro lado da linha ela riu como nunca antes.
- Mas por quê?
- Porque você encontrou alguém e pra mim nós somos para sempre, como uma doença ou sei lá o que.
- Só se for uma doença venérea.
Ela ria sem parar, para mascarar, chutar para baixo do tapete a dor que vinha à tona quando se falavam - uma vez a cada trimestre.
A risada dela invadia os ouvidos dele e o confundia, se ao menos pudesse entender o que ela sentia agora, se era ironia ou desespero.
- Não tem graça – ele replicou.
- Eu achei engraçado!
Disse tentando engolir a risada.
- E o que é que você não acha?
Riu na tentativa de manter o humor dela, mas o silêncio rolou pelos fios telefônicos, atravessando os estados, batendo em cada poste que aparecia, transformando-se em uma avalanche.
Avalanche de desânimo.
- Não te ver há mais de três anos. Isso não é engraçado.
E o desânimo vinha rolando montanha à baixo, estado a baixo, cada vez mais rápido, cada vez maior. Peso, altura, percurso, aceleração e gravidade!
- Não entendo esse teu masoquismo.
Dizia que não entendia, no entanto gostava de relembrar dos sabores e dos cheiros dela quando se sentia sozinho.
- Se eu não me torturasse não teria mais vontade de voltar, entende? Enquanto meus ouvidos arderem ao escutar teu nome vou ter vontade de voltar, mas se isso passar eu vou esquecer e você vai ser apenas mais uma história que eu escrevi.
- Hum! Essas coisas me machucam também.
- Eu sei.
- Sabe?
- Sim. Sadomasoquismo. Quando deixar de doer em ti, eu vou te esquecer.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

1.900 Beira-mar

Acordou zonzo, o perfume dela no ar, tateou a cama esperando encontrá-la como encontrou na madrugada, mas agora ela não estava.
Chamou seu nome, mas o silêncio tomava conta da casa, o cachorro correu e pulou na cama queredo carinho, balançando o rabo, lambendo e pulando feito louco, se falasse estaria gritando: CARINHO, CARINHO, CARINHO.
- Vem cá, amigão. Puxou-o para si e o abraçou bagunçando aquele monte de pêlos.
- Sabe onde ela está, Tobby? Para onde foi aquela bruxinha?
O cachorro continuava correndo em cima da cama, balançando o rabo e latindo.
- Acho que ela não gosta de você, tem medo ou sei lá. E o cachorro continuava histérico, correndo da cama até a porta. “COMIDA, COMIDA, COMIDA”, pediria se falasse.
- Eu estou com fome também, vem.
Foi à área de serviço, colocou ração no pote de Tobby e pegou umas bolachas no armário. Voltou para o quarto, tentou ligar para Lara – chamou até cair. “Estranho”, pensou. Deixou o celular no criado mudo, foi até a escrivaninha ligar o notebook e no canto superior esquerdo da tela estava colado um bilhete amarelo, deduziu que tinha sido escrito as pressas pelos garranchos ali escritos.
“Pronto, você teve o que queria. Adeus!”
- Louca – gritou.
Tobby já estava junto dele mais uma vez e latiu como se concordasse.
- Porra, Tobby, ela é insana. Não, insano sou eu que converso com o cachorro em uma situação como essa.
Tobby balançava o rabo todo contente, aquele contentamento inexplicável dos cachorros, mordia o cadarço dos seus tênis e rolava no chão. “BRINCA COMIGO, BRINCA COMIGO, BRINCA COMIGO”.
- Agora não vai dar, amigão, vou procurar essa louca.
Vestiu-se, calçou os tênis, amarrou os cadarços babados e saiu correndo escada abaixo.
Era um dia frio para o verão, o vento estava gelado e os céu coberto de nuvens escuras, logo choveria. Ele andou pelos quarteirões próximos procurando por ela, foi até os bares que ela costumava ir, no mercado onde ela gostava de comprar cigarros e suco de uva, na livraria e na biblioteca onde ela passava horas perdida em meio ao mundo de encantamento das letras. Porém não havia nem rasto, ninguém a tinha visto esta manhã.
Tentou ligar para ela mais de cinquenta vezes, enquanto andou a sua procura, mas ela desligou o celular.
“Diabo, diabo”, pensava aturdido, “O que deu nela pra achar isso? Onde ela se meteu? Ontem ela parecia tão feliz, tão satisfeita quando disse ‘eu gosto de você’ e seus dedos dançaram em meu rosto até eu pegar no sono. O que deu nela?”. Os pensamentos rolavam em um misto de lembranças e confusão.
Entrou na primeira padaria que encontrou para beber um café e colocar os pensamentos no lugar, porque até então só conseguia pensar “diabo de guria estranha”.
No balcão pediu um café preto e um pão de queijo, junto com o pedido chegou um amigo, amigo esse que também conhecia Lara.
- Ih, caiu da cama? – perguntou o amigo.
- Lara me derrubou.
- Eu a vi não tem muito tempo, estava indo na direção da praia. Acho que nem me viu, passou por mim mais rápido que o vento. Ela anda estranha ultimamente, você não acha?
- Acho, acho sim. Tenho que ir agora. Para qual lado da praia ela foi?
- Para o sul, deve estar perto da rua 1.900, ela gosta dos bancos de lá.
- Gosta?
- Sim, por causa das gravuras de peixes vazadas no encosto – riu lembrado do discurso que ela sempre fazia sobre “as incríveis gravuras dos peixes”.
- Ah sim, valeu, cara. Foi bom te encontrar. Tchau.
Nem deu tempo de ouvir a resposta, pois quando o outro respondeu Davi já dobrava a esquina em direção a rua 1.900. Correu dois quarteirões até avistá-la.
Encontrou-a onde o amigo dissera, rua 1.900 beira-mar no banco com gravuras de peixes, e por um segundo sentiu ciúmes por ele saber tão bem sobre suas preferências.
Atravessou a rua e a viu mais de perto, cabelo preso, vestido azul, os dentes dele impressos na pele branca dos ombros e do pescoço e os pés descalços. Naquela hora, sentiu brotar dentro de si uma ternura sem precedentes, queria carregá-la dali e fazer com que todos os pensamentos doentios de sua cabeça se apagassem.
Ela sabia que ele estava ali, logo atrás, estático, sentiu seu cheiro vindo com o vento, mas não se virou, apenas secou as lágrimas e tentou engolir os soluços.
- Oi – disse ele sentando-se ao lado dela.
- Oi – respondeu afastando o corpo.
Olhou para ela e tocou seu rosto inchado de tanto chorar, ela recuou.
- Vem cá – tentou abraçá-la.
- Não, Davi.
Ignorando sua recusa a puxou para perto e a segurou forte. Do céu e dos olhos dela a água veio abaixo, misturando o salgado e o doce, a paranóia e a segurança, o temporal e o pranto.
- Você entendeu tudo errado, bruxinha – beijou sua testa fazendo escapar de sua boca um sorriso. – Deixa eu te tirar daqui antes que um raio nos parta ao meio.
Correram para casa dela, trocaram as roupas molhadas por outras secas e quentes, viraram o sofá na direção da varanda para olhar o temporal lá fora e ficaram ali em silêncio por um tempo.
- Tobby sentiu tua falta.
- E você?
- Eu também.
- Que bom, porque eu não gosto do Tobby.
- É, ele sabe.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

No fim do fundo.

Encontre-a em um banheiro imundo com a seringa já cravada no braço.
A cena era tão lastimável quanto seu estado, suas roupas estavam sujas, o cabelo louro desgrenhado e a maquiagem borrada. Seus olhos pesados ergueram-se e derramaram-se nos meus, a culpa inundou seu rosto e lágrimas escorreram pelo caminho negro traçado pela maquiagem.
A cada dia ela dava mais um passo para abismo e eu ali no meio do caminho tentando impedi-la de acabar consigo e comigo, tentando fazê-la superar ou pelo menos aceitar.
- Você fez de novo, baby – disse juntando-a do chão imundo.
- É uma tragédia, Murilo.
As palavras saiam pesadas de sua boca, seu corpo pesava o dobro quando estava assim, quase desmaiada, sem responder a estímulos. Não sentia mais raiva quando a encontrava, sentia alivio por achá-la viva e sem machucados.
Coloquei-a sentada em um banco da praça e liguei para os outros que também a procuravam.
- Débora?! Já encontrei Alice, ela estava onde eu imaginei. Avise aos outros, por favor.
- Como ela está?
O desespero de mãe era gritante em sua voz.
- Do mesmo jeito de sempre, vou cuidar dela e depois a deixo em casa.
- Mais uma vez obrigada, Murilo – sua voz era um misto de exaustão e humilhação.
- Não precisa agradecer. Tchau!
- Tchau.
Alice estava deitava no banco com os olhos arregalados fitando o céu e murmurava palavras sem sentido.
- Vamos! Disse erguendo-a.
- Me larga – gritou.
-Calma, Alice, sou eu. Vou te levar para casa.
- Não! Me larga agora – gritava e se debatia contra meu peito.
Não dava mais atenção ao que ela falava, não adiantava mais, era perda total de tempo tentar ouvi-la.
Ela gritou, esperneou até que eu a largasse dentro do carro e a prendesse ao cinto de segurança.
Entrei no carro e ela praguejava contra mim.
- Você é um nojento, eu te odeio Murilo – as palavras saiam pastosas de sua boca.
Erguia o braço tentando me acertar, mas parecia pesado demais.
- Sim, eu sei que odeia – concordei.
Era triste ver no que ela se transformou, no que seus sentimentos se tornaram e aceitar a decadência em que ela vivia.
Um ano atrás, quando nos conhecemos vi nela toda a vida que escapava de mim, andava rápido, falava pelos cotovelos e gesticulava o tempo todo, conhecia e era bem quista por todos. E agora isso, essa decomposição em vida, a corrosão da beleza interior e exterior, aquela porcaria havia engolido toda a luz e toda a vontade que vivia nela. Mas não era só isso, não foi apenas ela quem foi sugada, nós todos fomos, sua família, eu, os amigos mais próximos, todos nós estávamos exauridos e perdidos diante de tal situação.
Estacionei o carro em frente casa e carreguei-a para dentro entre socos, gritos e choro.
Às vezes tinha vontade de arrebentá-la ao meio, bater até que ela desistisse disso, mas não era assim que as coisas funcionavam e na realidade eu não queria machucá-la ainda mais, só queria que pudesse compreender, visse e reconhecesse a nova pessoa que surgiu de dentro dela.
Deitei-a na cama e tirei suas roupas sujas, enquanto ela chorava e praguejava contra tudo e todos. As roupas estavam imundas e fediam a lixo ou algo podre, os tênis estavam cheios de barro que já estava quase seco, não imaginava aonde ela tinha passado esses dois dias.
Separei uma muda de roupas limpas, levei-a até o banheiro, liguei o chuveiro e provei a temperatura da água.
- Não quero tomar banho – protestou.
- Eu não queria uma namorada drogada.
- Então me deixa ir, não preciso de você, não quero você – gritava.
Parecia mais consciente agora.
- Alice – gritei – fecha essa boca antes que eu perca o controle e sente a mão em você. Eu te deixaria se não fosse tarde demais, se você não tivesse destruído a vida de todos.
Sua boca estava semi-aberta e os olhos fixos em mim, e minhas mãos apertavam seus braços.
- Você não precisa de mim? Devia ter dito isso antes, eu te deixaria chapada naquele lugar imundo para que alguém te estuprasse ou te matasse.
- Você não sabe de nada, não se meta nisso – replicou.
- Eu estou metido nisso até o pescoço – gritei chacoalhando-a – você meteu todos nós nisso e todos estão definhando junto com esse lixo que você se transformou.
Joguei-a para frente do espelho.
- Olha bem, presta bem atenção no teu estado, parece uma mendiga imunda- segurei-a em frente o espelho por algum tempo.
Seus olhos umedeceram e então ela caiu em um pranto assustador, mas isso já era corriqueiro.
Chorou por horas, soluçou até cansar e pegar no sono. Fiquei ali, sentado a seu lado mexendo em seu cabelo macio, pensando em todas as crises dos últimos seis meses, no estado que ela se encontrava, pensando em desistir daquela confusão toda, mas seria impossível.
Ela parecia tão calma agora, respirava sem dificuldade, o rosto tinha cor outra vez, olhando assim dava até para esquecer todo o sofrimento que ela havia causado. No entanto quando ela acordasse o caos recomeçaria e ninguém poderia fazer nada, pois de uma forma ou de outra ela escaparia, desapareceria por alguns dias. Tudo outra vez.
Coloquei as roupas dela na máquina de lavar, fiz um café, fui para sala e assisti TV até dormir.
Acordei com o sol no rosto, pensei em Alice lá no quarto, dava calafrios imaginar o que teria de enfrentar quando ela acordasse. Fui até lá para vê-la, mas ela não estava na cama. Chamei por ela e nada, olhei na cozinha, no outro quarto, no quintal, na sacada onde ela gostava de ficar, mas nem sinal dela. O portão da frente ainda estava trancado, minhas chaves estavam no lugar e o carro na garagem, mas ela havia sumido. Chamei por ela outra vez e outra vez não respondeu.
Procurei em todo o lugar. Não, não procurei, faltava o banheiro dos fundos, corri até lá na esperança de encontrá-la. E encontrei.
O corpo pendia de um fio de luz amarrado na janela do banheiro, seu rosto estava roxo assim como as mãos mínimas e os pés. Algo brutal tomou conta de mim, do meu peito nasceu um grito que mais parecia um urro. Tirei-a de lá, tentei ressuscitá-la, mas ela já não respondia mais.
Morreu em um banheiro frio e praticamente abandonado, como já havia acontecido seis meses atrás quando cravou uma agulha em seu braço em outro banheiro qualquer.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Boo!

Corri jardim adentro sabendo q ele estava lá me esperando, as garrafas de cerveja se chocavam durante a corrida, o tilintar delas faziam com que eu lembrasse o seu gosto gelado, garganta abaixo.
Abri a porta dos fundos, guardei a cerveja na geladeira e o chamei:
- Richard!
- Oi – respondeu.
- Eu trouxe a cerveja.
Ouvi sua risada e seus passos no segundo andar.
- Quantas?
- Doze!
- Quem mais vem?
- Ninguém, só nós dois.
- Pra que tanto?
- Pra gente morrer.
Nós rimos e lá em cima ele derrubou algo.
Estávamos em uma casa antiga, com janelas francesas e cortinas escuras. Às vezes eu não sabia como íamos parar em lugares como aquele, sempre tão antigos, tão arquitetonicamente ricos e eu me deliciava com toda história escondida em seus pilares.
Andei até a biblioteca, respirei fundo. O cheiro dos livros antigos encheu meus pulmões. Sentia a textura das páginas amarelas e rolava a naftalina entre os dedos quando inalava aquele ar. Ar familiar.
- O quê você está fazendo? – Richard gritou.
- Já subo.
Respondi com os olhos ainda fechados para não perder aquela sensação nostálgica. Nostalgia do que não foi, do que eu não vivi, nem senti, mas era meu quando eu respirava.
Fechei as portas da biblioteca e andei pelo corredor apertado e milhões de sussurros vazavam das paredes, como se elas quisessem me contar o que aconteceu, como se eu quisesse saber. E eu queria, parei e tentei ouvir. O som cessou. Tentei ouvir mais vezes, mas elas desistiram de contar.
Passei pela sala ampla, desliguei a TV e andei até a escada. As vozes sussurravam quando eu não pretendia ouvi-las.
Antes de subir olhei em volta, a luz que entrava pelas janelas era incrível, aquele avermelhado do fim da tarde fazia tudo ganhar movimento e Richard dava o som. Não sei que diabos ele estava fazendo, mas de minuto em minuto derrubava algo no chão de madeira grossa.
- Vem rápido – ele gritou.
E eu corri, parecia urgente, devia ser besteira, mas eu sempre acreditava quando a voz dele soava desesperada.
Na metade da escada algo me segurou, eu puxei, minha perna parecia presa.
-Merda- bradei, procurando nos degraus algo que me prendesse.
Nada nos degraus. Eu puxei a perna e ela continuava presa, forcei tentando subir e senti algo prender nela com mais força. O pânico começou a subir pelo estômago e a voz ficou embargada na garganta, atrás de mim não havia nada, mas no reflexo na televisão havia.
O contorno perfeito de um corpo prendia meu calcanhar e eu esperneei feito louca, as mãos presas no corrimão, mas a voz não saia.
“Não, você não vai. Saia da minha casa” as vozes diziam isso cada vez mais alto.
-Richard, Richard - o grito saiu abafado pelo desespero.
Ouvi ele correr e em menos de dois segundos estava na escada, perto de mim.
Pegou meu braço e puxou-me para cima, enquanto aquilo me puxava para baixo e repetia incansavelmente para que saísse dali.
Segurei o braço de Richard com as duas mãos cravando fundo as unhas nele. A força sob meu calcanhar cedeu e eu praticamente voei para cima e ele me segurou com uma força surpreendente, como jamais havia segurado antes. Afundei o rosto na curva de seu pescoço me perguntando o que havia acontecido.
- O que foi isso? – perguntou em estado de alerta, girando o corpo para monitorar as coisas ao nosso redor.
- Eu não sei.
Tinha até medo de olhar em volta, não sabia o que veria, não queria abrir os olhos, mas me afastei e olhei. Nada diferente. Janelas francesas, cortinas escuras, luz avermelhada.
Ouvia um zunido ainda, como se dez pessoas falassem ao mesmo tempo, tampei os ouvidos com força. Richard andava de um lado para outro, olhando atrás dos móveis quando um vaso de porcelana voou em sua direção. Surreal.
Com a mão ele protegeu o rosto e os estilhaços voaram pela sala inteira. Corri até ele, peguei sua mão ensangüentada e o arrastei até o banheiro. Coloquei-a debaixo d’água e tirei cuidadosamente os cacos que pontilhavam sua mão.
Eu estava apavorada, ele quase catatônico, não respondia quando eu perguntava e quanto maior o silêncio maior o meu pavor.
- Segura – disse enrolando uma toalha em sua mão.
- Eu não entendo – ele disse.
- Eu também não, mas eu sei o que eu vi e quero sair daqui agora.
E nós andamos o mais rápido possível para fora da casa, deixando para trás a cerveja, as janelas francesas e o pôr-do-sol .