segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

É proibido fumar - Parte 3

Eu sentia meus olhos arderem como se tivessem pegando fogo e tinha um grito preso na minha garganta, uma raiva forte demais, eu queria que ele evaporasse da minha frente.
- Mas, Anita isso é tudo verdade e você sempre prezou pela verdade - a raiva de meu rosto se espalhava como espanto em seu rosto pálido.
- Sempre prezei? Há quanto tempo você me conhece? Você vive comigo? Não, eu sou a mentira Mathias e a mentira está dizendo tchau.
Deixei-o ali, parado sozinho na frente do palco, fui ao banheiro e fiquei um tempo encostada a parede esperando a raiva passar. Minha perna tremia freneticamente enquanto eu proferia insultos a ele.
- Hey moça! - a voz veio do fundo do banheiro.
- Sim? - respondi rispidamente.
- Desculpa perguntar, mas está tudo bem?
A preocupação da mulher que limpava o banheiro não deixou que eu fosse rude com ela.
- Estou sim, obrigada - forcei um sorriso.
Ela retribuiu o sorriso, virou a água fétida que estava no balde vermelho dentro da pia, disse tchau e saiu pela porta. A porta de vai-e-vem balançou onze vezes até parar completamente, fui até o espelho, retoquei a maquiagem sem prestar muita atenção no que fazia, não procuraria Mathias para me desculpar, não mesmo. Ele foi longe demais, mexeu com meu ponto fraco, a vida, ele não sabia nem um terço de tudo que eu tinha vivido para agir dessa forma, para me aconselhar como se fosse minha mãe.
Guardei a maquiagem e saí do banheiro.
Era inacreditável. Porque diabos Ricardo estava parado ali na porta?
- O que você tem? - perguntou.
Que ótimo, mais uma pessoa para tentar saber o que se passava comigo.
- E o que você tem a ver com isso? - cuspi as palavras nele.
- Eu me preocupo com você! - aproximou-se de mim.
- Ah, conta outra piada agora, por que essa não teve graça.
Colocou os braços na parede atrás de mim fazendo com que eu ficasse presa entre eles.
- Pelo amor dos deuses, Ricardo, qual é o teu problema? Você passou três vezes, praticamente do meu lado e não olhou na minha cara, agora você vem dizer que se preocupa, vai para o meio do inferno - tentei me desvencilhar de seus braços.
- Porque você nunca acredita em mim, Anita? - parecia suplicar, mas que imbecil.
- Porque você está bêbado. Me deixa sair! Empurrei-o, mas ele não me largou, minha força fez com que ele apertasse mais os braços ao meu redor como uma jibóia louca.
- Hey Ricardo, solta ela, cara!
Era Mathias atrás dele, chegou como se fosse o príncipe salvador da pátria. Que coisa asquerosa!
- Ela quer ficar aqui - Ricardo berrou.
- Não, eu não quero - gritei mais alto que os dois. - E também não preciso de ajuda Mathias, eu me entendo com ele.
- Ah, cala essa boca, Anita - falou isso e puxou Ricardo que me puxou pelo vestido.
As mãos de Ricardo só afrouxaram de meu vestido quando Mathias o segurou pela camisa e gritou para que me soltasse. Eu estava perplexa com tudo aquilo, não sabia como agir, inconscientemente parei atrás de Mathias, enquanto ele berrava ameaças a Ricardo que em nenhum momento desgrudou os olhos dos meus.
- Vem! - ordenou Mathias me arrastando dali.
Meus olhos também não abandonavam os de Ricardo, era como estar presa a um caleidoscópio. Não tinha visto que Mathias já o tinha largado, só obedeci ao que a voz dele dizia e segui seus passos olhando para trás sem conseguir tirar meus olhos daqueles olhos verdes.
- Pronto! Você pode me soltar agora - sorriu tão calmo como se nada tivesse acontecido.
Meus dedos estavam agarrados tão fortemente em sua camiseta que quando soltei a marca deles permaneceu. Mathias puxou uma cadeira e eu me sentei.
- Ah, me desculpe - quase doía dizer isso a ele.
- Não foi nada. Você está bem? - havia preocupação de verdade na sua voz.
- Estou. Não, não estou - não poderia mentir agora. – Ele me assusta.
- Ele não vai voltar, pelo menos não essa noite - arrastou minha cadeira pra perto da dele e pousou o braço sobre meus ombros.
- Obrigada - sorri.
Nós ficamos sentados em silêncio por alguns minutos, até recompormos nossas mentes. O braço dele continuava sobre meus ombros, encostei-me nele e pude sentir seu suspirar quando apoiou o rosto em minha cabeça. Separei uma mexa de cabelo e comecei a enrolar devagar.
- Por que você sempre faz isso? - perguntou.
- Para dar corda nos meus neurônios.
Seu riso foi breve, ainda suspirava de forma preocupada.
- O que foi? - perguntei virando o rosto para ele.
- Você sabe do que se livrou antes?
- Dos seus amigos?! - queria que ele risse.
- É sério, Anita. Você sabe do que eu estou falando - o rosto dele ficou mais preocupado ainda.
Eu não conseguia ver qual era a real gravidade de tudo aquilo, Ricardo tentou me agarrar, Mathias fez com que ele caísse fora e ponto final, não havia algo tão ruim naquilo tudo.
- Ricardo? O que ele poderia fazer de tão grave? - o mistério da conversa me afligia.
- Ricardo é um verme!
Fiz uma careta para ele, não entendia o ódio que ele demonstrava sentir enquanto falava.
- Ah, você não sabe mesmo - afirmou.
- Vai me contar ou o vou ter que ir embora para pesquisar no Google? - saí de baixo dos seus braços e sentei de frente para ele.
- Ano passado, antes de você começar o estágio, Ricardo foi acusado de abuso sexual - eu via a repulsa nos olhos de Mathias. - Não sei exatamente onde e como foi, a única coisa que ficamos sabendo é que ele realmente era culpado e ninguém duvidou disso, pois todo mundo sabia que ele bebia demais e, eventualmente drogava-se.
As órbitas dos meus olhos quase caíram para fora. A estranheza de Ricardo não era novidade para ninguém, mas enlouquecer e abusar sexualmente de alguém era mais que estranheza, era doença.
- Ele não foi preso? - eu estava chocada.
- Foi, mas logo foi solto, os pais dele são ricos, não deve ter passado uma noite na cadeia. O assunto é proibido dentro da agência, porque como você deve saber Ricardo é filho dos donos.
- Eu não sabia, não fazia a menor idéia, não sabia de nada disso.
Era esse o motivo de todo o mistério, Ricardo não queria que eu descobrisse o passado dele, por isso sumia quando eu perguntava algo que pudesse entregar tudo. As poucas vezes que o encontrei na agência contou-me alguma história sobre divulgação de shows e foi embora. Esse era o x da questão, o passado.
- Então era isso! - exclamei.
- Isso o quê? - perguntou Mathias.
- Era por isso que ele fugia de toda e qualquer pergunta que eu fazia - isso não era bem uma resposta a Mathias, mas sim uma resposta a mim mesma.
- Há quanto tempo você conversa com esse monstro? - perguntou assustado.
- Sei lá, antes da agência ainda. Ele sempre freqüentou os mesmos lugares que eu, mas a gente não conversava muito, não sei como explicar, alguma coisa sempre me repelia dele, foram sempre conversas curtas e se ele não fugisse com alguma pergunta minha, eu sentia um medo inexplicável e desaparecia antes que ele pudesse responder.
A confusão que passou pelos olhos me Mathias não era a metade da confusão que se debatia dentro de minha cabeça.
- Essa foi a primeira vez que ele tentou te pegar a força?
- Foi e acho que ele não me machucaria - disse.
- Por quê? Iria bater nele? - zombou.
- Não - estava pensando demais para rir das piadinhas dele. - Ele gosta de mim.
Mathias pareceu chocado, seu rosto ficou severo como se tivesse ouvido um insulto.
- Gosta de você? Ele te persegue, te observa enquanto você trabalha, ninguém me contou eu o vi parado no corredor olhando para você. Vai dizer que nunca o viu lá parado feito um ás de paus? - esbravejou.

[Continua...]

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