Atrás de mim vinha um homem de roupa escura, pequeno - 1,65m no máximo – sua pele era característica, parecia um pescador após um banho de sol.
Não liguei para ele, continuei andando, aí os passos ficaram mais próximos. Quanto mais alto ficava o som dos passos dele, mais rápidos ficavam os meus passos. Estava quase correndo e pensei ‘puta merda’ quando o suco de uva caiu no vestido claro.
O cara gritou alguma coisa atrás de mim, não olhei, continuei correndo, aí ele gritou de novo:
- Hey menina, para!
Eu parei, foi burrice, mas eu parei. Não adiantaria correr, hora ou outra ele me alcançaria.
- Fala – disse a ele.
- Eu conheço você, estava junto daquele cara de cabelo cacheado, lá na praia, quando ele pegou meu bilhete.
Era ele o cara do bilhete, um pescador com o capuz do moletom tampando a metade da testa em pleno verão.
- Sim, eu estava com ele – respondi.
Deu dois passos na minha direção, seu rosto ficou próximo ao meu, seus olhos claros ficaram vivos por um instante, enquanto me encarava.
De repente sua mão agarrou meu pescoço com força para impedir o fluxo de ar.
- Aquele cara ta me perseguindo, não quero vocês no meu caminho, entendeu?
Eu me debatia e tentava empurrá-lo, mas o desgraçado era forte, forte mesmo.
- Não quero vocês por perto, não quero que ele pegue meus recados, não são para ele – sua fala era colérica, grunhia entre dentes.
Acumulei o pouco de razão que me restava e enfiei meus polegares nos seus olhos e empurrei com toda a minha força, então ele me soltou.
- Vadia – gritou levando as mãos ao rosto.
Eu corri, corri o máximo que pude até chegar à praia, estava a mais ou menos uma quadra de lá.
Dava para ouvir o barulho do mar misturado com o som alto dos passos do homem correndo atrás de mim. Cheguei a esquina beira-mar e atravessei a avenida vazia, onde estavam as pessoas?
O cara gritou de novo e quando olhei para o lado vi Camilo andando no calçadão.
- Camilo – gritei, mas ele não ouviu.
Gritei mais uma vez e novamente ele não olhou em minha direção.
- Para, sua vadia – o cara gritava atrás de mim.
Devia estar a menos de 3 metros.
- Camilo – berrei tão alto que meus pulmões doeram.
Camilo olhou no mesmo instante em que o cara me puxou pelos cabelos.
Eu cai e bati a cabeça, mas a areia amorteceu a queda, o cara montou em cima de mim, feito um bicho.
- Sai de cima de mim, asqueroso.
Gritava e estapeava seu rosto, enquanto ele tentava, inutilmente, segurar meus braços.
- Eu vou matar o teu amigo e vou te matar também se não calar essa boca.
Camilo corria areia adentro, eu não conseguia gritar para que parasse, pois as mãos do homem estavam mais uma vez ao redor do meu pescoço.
- Larga ela – gritou Camilo – Larga, eu disse para largar.
O cara gemeu com chute que levou nas costelas e rolou para o lado.
- Foge Camilo, foge.
Eu gritava, mas ele não ouvia, estava em cima do homem esmurrando sua cara.
- Ele que te matar, corre.
Ele não ouvi, só batia no cara. Parecia cego, seu rosto estava vermelho, como se todo o sangue tivesse subido para suas bochechas e ele batia sem parar.
Eu vi quando o homem levou a mão no bolso e me joguei em cima deles e senti algo arder na minha pele.
- Não – gritou Camilo.
Deu outro soco no cara que arrancou a faca da minha barriga e doeu mais. Sangrava muito, minha mão fazia pressão sobre o corte, enquanto os dois lutavam.
Eu gritei por socorro, mas na havia ninguém por perto, Camilo quase rosnava e um som arrebatador pulou de sua garganta quando a faca do homem entrou embaixo de suas costelas.
Ele caiu de joelhos e mais uma vez a faca entro em seu abdômen fazendo jorrar sangue dos ferimentos, ele enfiou inúmeras vezes a faca em Camilo.
Eu fazia força para me erguer, mas doía toda vez que eu forçava para levantar. Camilo gritou de dor mais uma vez e um ódio tomou conta de mim, não sei como, nem porque meu corpo se lançou sobre o homem. Mordi seu braço com toda a força até meus dentes doerem, mas ele era mais forte.
Jogou-me sobre o corpo de Camilo e eu senti a faca perfurar minha pele, rasgar meus músculos, parecia tocar meu órgãos, a dor paralisava e toda vez que a faca furava um tremor de dor corria minha espinha.
O rosto do homem, deformado pelos socos de Camilo, foi a última coisa que eu vi. Minha visão foi escurecendo a medita que o ar em meus pulmões se esvaia.
Camilo gemeu e o homem grunhiu movendo-se para ele, suponho que tenha lhe dado outra facada, pois o senti movendo-se embaixo de mim e ouvi seu suspirar. Suspirou como quem desiste de algo
As cores do céu foram sumindo num degrade de azul claro ao preto. Foi aí que a vida acabou, eu acho.
segunda-feira, 29 de março de 2010
segunda-feira, 22 de março de 2010
Bilhetes - continuação.
- Eu não to bêbada!
- Mas parece – riu.
- Muito espirituoso! Pode ir dormir agora – empurrei-o pra fora - Obrigada pela carona – sorri.
- Disponha – riu também - Até amanhã.
- Até.
Nem o vi entrando em casa, nem minha porta abrindo, parecia um zumbi enquanto andava até o quarto. Cai na cama e capotei.
O calor do meio-dia me acordou, mas eu continuei na cama esperando que a preguiça fosse embora. Havia movimento dentro de casa, na TV a mulher do telejornal noticiava uma desgraça, na cozinha o barulho das panelas e do abre e fecha da geladeira, meu pai conversando com alguém na sala e gritando para minha mãe que estava na cozinha “NÃO COLOCA MAIS KNORR, NÃO COLOCA MAIS KNORR!”, depois voltava a resmungar com a pessoa perto dele.
Lá fora o portão bateu com força e minha mãe gritou “QUEBRAAA”, e quem entrou quase corria, pois seus passos eram audíveis.
- Bárbara já acordou? – perguntou Camilo
- Nãããão – gritei.
- Respondido – disse minha mãe rindo – Pode entrar, ela está no quarto.
Nos conhecíamos há anos, não havia problemas em ficarmos sozinhos no quarto, pelos menos para os meus pais não havia.
- Achei outro – disse histérico.
- Vai se danar – sentei na cama – Não acredito que você foi procurar outro.
- Eu não procurei, estava passando lá e encontrei.
Mentia tão mal para um padre juvenil, precisava aperfeiçoar isso, pois padres mentem bem.
- Mentira!
- Tá é mentira – disse.
Claro que é mentira, quando mentia um luminoso ficava piscando em sua testa “MENTIRA, MENTIRA, MENTIRA”.
Fiquei olhando esperando que falasse algo ou lesse aquilo de uma vez por todas.
- Tá – gritei – Tá esperando o quê?
Pulou com meu grito e tirou outro papel amarelo do bolso.
- É chegada num amarelo a criatura, hein?!
- Se você não fizer observações, eu conto – já começou a se ofender por conta de um pedaço de papel e tinta azul.
- Bueno! Não vou falar mais - emudeci.
- Eu fui à praia pensando em ficar espiando até alguém aparecer para que eu pudesse descobrir ...
- Ahhh Zeeeeusss, tu tá louco? Vai se meter com quem tu nem conhece, o que tu tem na cabeça?
Me censurou com um olhar e não falou por alguns segundos.
- Não falo mais, pode continuar – disse impaciente.
- Então, como eu ia dizendo, fui até lá descobrir quem era a pessoa, mas o bilhete já estava no lugar, aí eu peguei-o e esperei alguém aparecer e nada, e já que ninguém apareceu reivindicando seu bilhete, eu corri para lê-lo pra ti.
- Lê, então!
- É assim:
“ A vitalidade foi embora, penetrou o oceano dentro de uma garrafa de vidro”.
- Hm?
- Só!
- Nossa! Terra a vista, Camilo. Descobriu a luz elétrica depois dessa.
Inacreditável como ele achava aquilo interessante e como levava a sério aquela pasmaceira de bilhete amarelo com mensagens sem nexo algum.
- Hmm!
- Para de falar “hum”, isso irrita.
- Desculpa, mas quer que eu diga o que?
- Sei lá!
- Hummm – ri.
- Besta – riu também.
- Vai continuar com isso?
- Tô curioso, queria ao menos ver quem é a pessoa.
NÃO ACREDITO. NÃO DÁ PRA ACREDITAR.
- Mas pra quê?
Precisava fingir que aquilo era normal, mas Camilo era mentalmente retardado.
- Eu não sei Bárbara, eu quero.
- Ah, sim. Vai lá então.
Ele não ia desistir mesmo que fosse e fizesse o que achava certo, eu não era mãe de ninguém. Talvez a mãe dele soubesse, por mim, mas seria para o bem dele porque, sem dúvida ele estava fazendo algo perigoso.
- Você vai contar, não é?
Não precisava nem esconder mais, ele tinha consciência.
- Uhum, eu vou.
- Por quê? – esbravejou.
- Porque isso está errado, porque é perigoso.
- Tudo é perigoso pra ti, até uma poça d’água é perigosa.
- O que tem a ver a poça d’água?
- Nada.
- Ah, muito claro.
Ele devia estar enlouquecendo, agora ele passava a não fazer sentido. Ficou agitado, andando no quarto, meio que rondando minha cama com aquele pedaço de papel na mão.
- Vem comigo amanhã?
- Que?
- Amanhã eu vou voltar lá às 8 horas, vem junto comigo?
- Não, Camilo.
- Por quê?
- Porque eu não sou burra.
Ele nem falou, saiu do meu quarto, respondeu algo a minha mãe e foi embora. Eu não iria à mesma praia que ele hoje, não queria conversar sobre isso, mas e amanhã o que eu vou fazer, deixá-lo sozinho?! Segui-lo, é isso que eu farei.
A situação fica cada vez mais estranha. Seguir Camilo que segue outra pessoa, eu sou perseguidora do perseguidor.
Se ele descobrir vou ter sermão para um ano inteiro e se ele virar padre – é mais deboche meu do que realidade - vou ter penitências até a morte.
O dia passou arrastado e eu fui dormir mais cedo para chegar logo no outro dia, planejei fazer um caminho diferente para entrar na praia na direção contraria de Camilo e provavelmente a direção em que o cara – ou a mulher - do bilhete viria.
Sete horas eu estava de pé e tomei meu rumo, as ruas estavam vazias, só o que se ouvia eram os pássaros e o vento nas árvores, entrei em uma padaria que estava aberta comprei um suco de uva e andei até a praia.
Na minha frente ia uma mulher loira, cabelo cheio de cachos com um vestido branco. Pensei que poderia ser ela, mas porra, que clichê. Só faltava ela correr na praia com os olhos cheios de lágrimas sofrendo por um amor perdido. B-O-B-A-G-E-M.
Antes de chegar à praia a mulher entrou em um prédio, não era ela, ainda bem, pois seria ridículo, eu riria de Camilo por ter seguido aquele clichê ambulante.
Uma família saia de casa com cadeiras e guarda-sol para tostar no sol da manhã.
E eu seguia caminhando, bebendo meu suco de uva, cantarolando às vezes
Ouvi alguém andando atrás de mim, cheguei a pensar que pudesse ser Camilo tentando me pegar, mas não era[...]
[ continua ]
- Mas parece – riu.
- Muito espirituoso! Pode ir dormir agora – empurrei-o pra fora - Obrigada pela carona – sorri.
- Disponha – riu também - Até amanhã.
- Até.
Nem o vi entrando em casa, nem minha porta abrindo, parecia um zumbi enquanto andava até o quarto. Cai na cama e capotei.
O calor do meio-dia me acordou, mas eu continuei na cama esperando que a preguiça fosse embora. Havia movimento dentro de casa, na TV a mulher do telejornal noticiava uma desgraça, na cozinha o barulho das panelas e do abre e fecha da geladeira, meu pai conversando com alguém na sala e gritando para minha mãe que estava na cozinha “NÃO COLOCA MAIS KNORR, NÃO COLOCA MAIS KNORR!”, depois voltava a resmungar com a pessoa perto dele.
Lá fora o portão bateu com força e minha mãe gritou “QUEBRAAA”, e quem entrou quase corria, pois seus passos eram audíveis.
- Bárbara já acordou? – perguntou Camilo
- Nãããão – gritei.
- Respondido – disse minha mãe rindo – Pode entrar, ela está no quarto.
Nos conhecíamos há anos, não havia problemas em ficarmos sozinhos no quarto, pelos menos para os meus pais não havia.
- Achei outro – disse histérico.
- Vai se danar – sentei na cama – Não acredito que você foi procurar outro.
- Eu não procurei, estava passando lá e encontrei.
Mentia tão mal para um padre juvenil, precisava aperfeiçoar isso, pois padres mentem bem.
- Mentira!
- Tá é mentira – disse.
Claro que é mentira, quando mentia um luminoso ficava piscando em sua testa “MENTIRA, MENTIRA, MENTIRA”.
Fiquei olhando esperando que falasse algo ou lesse aquilo de uma vez por todas.
- Tá – gritei – Tá esperando o quê?
Pulou com meu grito e tirou outro papel amarelo do bolso.
- É chegada num amarelo a criatura, hein?!
- Se você não fizer observações, eu conto – já começou a se ofender por conta de um pedaço de papel e tinta azul.
- Bueno! Não vou falar mais - emudeci.
- Eu fui à praia pensando em ficar espiando até alguém aparecer para que eu pudesse descobrir ...
- Ahhh Zeeeeusss, tu tá louco? Vai se meter com quem tu nem conhece, o que tu tem na cabeça?
Me censurou com um olhar e não falou por alguns segundos.
- Não falo mais, pode continuar – disse impaciente.
- Então, como eu ia dizendo, fui até lá descobrir quem era a pessoa, mas o bilhete já estava no lugar, aí eu peguei-o e esperei alguém aparecer e nada, e já que ninguém apareceu reivindicando seu bilhete, eu corri para lê-lo pra ti.
- Lê, então!
- É assim:
“ A vitalidade foi embora, penetrou o oceano dentro de uma garrafa de vidro”.
- Hm?
- Só!
- Nossa! Terra a vista, Camilo. Descobriu a luz elétrica depois dessa.
Inacreditável como ele achava aquilo interessante e como levava a sério aquela pasmaceira de bilhete amarelo com mensagens sem nexo algum.
- Hmm!
- Para de falar “hum”, isso irrita.
- Desculpa, mas quer que eu diga o que?
- Sei lá!
- Hummm – ri.
- Besta – riu também.
- Vai continuar com isso?
- Tô curioso, queria ao menos ver quem é a pessoa.
NÃO ACREDITO. NÃO DÁ PRA ACREDITAR.
- Mas pra quê?
Precisava fingir que aquilo era normal, mas Camilo era mentalmente retardado.
- Eu não sei Bárbara, eu quero.
- Ah, sim. Vai lá então.
Ele não ia desistir mesmo que fosse e fizesse o que achava certo, eu não era mãe de ninguém. Talvez a mãe dele soubesse, por mim, mas seria para o bem dele porque, sem dúvida ele estava fazendo algo perigoso.
- Você vai contar, não é?
Não precisava nem esconder mais, ele tinha consciência.
- Uhum, eu vou.
- Por quê? – esbravejou.
- Porque isso está errado, porque é perigoso.
- Tudo é perigoso pra ti, até uma poça d’água é perigosa.
- O que tem a ver a poça d’água?
- Nada.
- Ah, muito claro.
Ele devia estar enlouquecendo, agora ele passava a não fazer sentido. Ficou agitado, andando no quarto, meio que rondando minha cama com aquele pedaço de papel na mão.
- Vem comigo amanhã?
- Que?
- Amanhã eu vou voltar lá às 8 horas, vem junto comigo?
- Não, Camilo.
- Por quê?
- Porque eu não sou burra.
Ele nem falou, saiu do meu quarto, respondeu algo a minha mãe e foi embora. Eu não iria à mesma praia que ele hoje, não queria conversar sobre isso, mas e amanhã o que eu vou fazer, deixá-lo sozinho?! Segui-lo, é isso que eu farei.
A situação fica cada vez mais estranha. Seguir Camilo que segue outra pessoa, eu sou perseguidora do perseguidor.
Se ele descobrir vou ter sermão para um ano inteiro e se ele virar padre – é mais deboche meu do que realidade - vou ter penitências até a morte.
O dia passou arrastado e eu fui dormir mais cedo para chegar logo no outro dia, planejei fazer um caminho diferente para entrar na praia na direção contraria de Camilo e provavelmente a direção em que o cara – ou a mulher - do bilhete viria.
Sete horas eu estava de pé e tomei meu rumo, as ruas estavam vazias, só o que se ouvia eram os pássaros e o vento nas árvores, entrei em uma padaria que estava aberta comprei um suco de uva e andei até a praia.
Na minha frente ia uma mulher loira, cabelo cheio de cachos com um vestido branco. Pensei que poderia ser ela, mas porra, que clichê. Só faltava ela correr na praia com os olhos cheios de lágrimas sofrendo por um amor perdido. B-O-B-A-G-E-M.
Antes de chegar à praia a mulher entrou em um prédio, não era ela, ainda bem, pois seria ridículo, eu riria de Camilo por ter seguido aquele clichê ambulante.
Uma família saia de casa com cadeiras e guarda-sol para tostar no sol da manhã.
E eu seguia caminhando, bebendo meu suco de uva, cantarolando às vezes
Ouvi alguém andando atrás de mim, cheguei a pensar que pudesse ser Camilo tentando me pegar, mas não era[...]
[ continua ]
segunda-feira, 15 de março de 2010
Bilhetes
“Eu quero saber o que tem depois do precipício, sem receio algum, com passos firmes eu vou de encontro a ele. A curiosidade assassina me tenta em qualquer estrada.
Eu deixei minha vida escorregar por entre os dedos como um tufão de vento quente que veio do norte, já vi o suficiente. Não existe algo que eu realmente queira fazer agora, pois quando sento aqui na beira do precipício e vejo que as ondas quebram descontroladamente nas pedras, eu tenho a real sensação de que não há mais nada, mais ninguém. Prevalece a vontade de permanecer”.
- E é isso, encontrei esse pedaço de papel na praia – disse.
- Sério? Sem nenhum rastro?
- Sim, nada que indicasse quem tinha deixado ali.
- Porra, Camilo, só acontece coisa estranha nessa tua vida – ri.
- Cala boca, guria – deu um tapa na minha cabeça.
Ficamos sentados na areia esperando que o sol nascesse completamente.
Camilo lia e relia aquele pedaço de papel amarelo, escrito por algum depressivo descompensado.
- Tá tentando decorar isso?
- Não, piadista. Queria descobrir quem escreveu – falava olhando fixo para o papel.
- Coleta as digitais.
- Não entendo como você pode falar tanta besteira, Bárbara. Essa tua cabeça é um poço de imbecilidade – quase berrou de irritação.
- Ooook, tá morta quem falou.
Levantei, tirei o vestido e corri para o mar rindo dele. Só corri para que ele não pudesse ver como era divertido deixá-lo assim.
Camilo poderia ser padre se quisesse, pois toda a sua seriedade com relação as coisas, ao mundo, as pessoas, aos animais era clerical e i-n-s-u-p-o-r-t-á-v-e-l.
- Qual é Bárbara? – gritou correndo atrás de mim.
- Sai, sai! Vai ler teu bilhete misterioso – desprezei-o.
Mergulhei fundo para tentar fugir dele, mas quando voltei à superfície ele estava esperando com uma cara de reprovação.
- Muito bom para alguém que tem medo de tubarões.
- Só tenho medo dos tubarões do Discovery.
Então ele riu, parecia livre quando ria jogando a cabeça pra trás, nem de longe lembrava o Camilo clerical, seu riso era lascivo e seus olhos tornavam-se maliciosos. Quando ele ria nós éramos iguais, dois monstrinhos de pele clara, cabelos escuros e olhos negros de puro escárnio.
- Você está tremendo – disse jogando água nele.
- Não, Babi! Essa água está muito gelada – encolheu-se de frio.
- Ahh, fresco!
Joguei mais água nele e sem que eu pensasse em me defender, lançou-se contra mim e arrastou-me para o fundo.
Eu via as bolhas de ar saindo de minha boca e subindo em espiral até a superfície, enquanto a água invadia meus pulmões. Mas logo seus braços afrouxaram e eu subi junto delas.
- MONSTRO – gritei.
Tossi, cuspindo água e ele me olhava segurando uma gargalhada que se formava em seu peito.
- Idiota! Você é o maior idiota de todo o litoral.
Eu estava muito brava e continuava tossindo, meu nariz ardia e meus olhos lacrimejavam por conta do sal.
- Desculpa – disse quase rindo.
- Acho bom você nem falar comigo, desgraça.
Andei em direção a areia, atravessando as ondas e desviando das algas.
Alcancei meu vestido, o chacoalhei para retirar toda a areia dele e o vesti. Camilo saia do mar com um sorriso cadeado atrás dos lábios.
- Pode rir – disse.
Sua camiseta estava ao meu lado e quando ele estava quase se abaixando para juntá-la, a vontade foi maior que eu e chutei toda a areia possível sobre ela, Camilo parou de andar e me encarou com aquela cara sonsa de reprovação constante e eu sorri para ele.
- Bom dia, Camilo – comecei a andar. Ah! Não esqueça teu bilhete interessantíssimo.
Ele bufou e resmungou alguma coisa enquanto limpava a areia da camisa, eu segui pelo calçadão.
Andei rápido até dobrar a esquina para que não me alcançasse, mas ele era mais rápido e nosso caminho era o mesmo, pois estávamos em casas vizinhas. Duas casas depois da esquina ouvi seus passos atrás de mim, era cedo demais e não havia nenhum barulho além de nossos passos nervosos.
- Owww Barbi, não fiz por mal – rendeu-se atrás de mim.
Não respondi, continuei andando e não olhei trás para saber se estava longe ou perto.
- Não tem porque ficar sem falar comigo. Olha para mim, Bárbara.
Olhei rapidamente para ele, mas não parei.
Então ele correu e me pegou pelo braço.
- Não enche – disse a ele.
Tinha vontade de rir, ele era tão inocente que chegava a doer em mim.
- Era brincadeira.
- Você tem noção de quanto esperma de baleia eu engoli?!
Ele não saberia a resposta.
- Não, é você que assiste Discovery o dia todo.
Encarei-o e talvez parecesse que eu sentia raiva, porque ele recuou dois passos.
- Desculpa?
Desculpava-se como quem comete um crime e deliciava-me o brilho opaco de culpa em seus olhos.
- Tá! Tudo bem – disse. Vamos logo que eu quero dormir.
Caminhamos em silêncio por alguns minutos, até que o sono e o cansaço me pagassem pelas pernas, literalmente.
- Se andar mais devagar eu vou ter que andar para trás pra te acompanhar – disse.
- Eu cansei – a voz mais arrastada que meus pés - me carrega?
- E como se pede?
- Insuportável você – reclamei.
- Ah, certo! Vá andando então.
- Por favor – parecia tão dissimulada e cínica quando fazia o que ele pedia.
Se fossemos letras ele seria maiúscula e eu minúscula, logo poderia fazer minha vontade, e fez. Colocou-me em suas costas, assim como as macacas-mãe fazem com seus filhotes e me carregou rua a fora, até chegarmos ao portão.
- Está entregue – disse colocando-me no chão – consegue abrir a porta?
[ Continua ]
Eu deixei minha vida escorregar por entre os dedos como um tufão de vento quente que veio do norte, já vi o suficiente. Não existe algo que eu realmente queira fazer agora, pois quando sento aqui na beira do precipício e vejo que as ondas quebram descontroladamente nas pedras, eu tenho a real sensação de que não há mais nada, mais ninguém. Prevalece a vontade de permanecer”.
- E é isso, encontrei esse pedaço de papel na praia – disse.
- Sério? Sem nenhum rastro?
- Sim, nada que indicasse quem tinha deixado ali.
- Porra, Camilo, só acontece coisa estranha nessa tua vida – ri.
- Cala boca, guria – deu um tapa na minha cabeça.
Ficamos sentados na areia esperando que o sol nascesse completamente.
Camilo lia e relia aquele pedaço de papel amarelo, escrito por algum depressivo descompensado.
- Tá tentando decorar isso?
- Não, piadista. Queria descobrir quem escreveu – falava olhando fixo para o papel.
- Coleta as digitais.
- Não entendo como você pode falar tanta besteira, Bárbara. Essa tua cabeça é um poço de imbecilidade – quase berrou de irritação.
- Ooook, tá morta quem falou.
Levantei, tirei o vestido e corri para o mar rindo dele. Só corri para que ele não pudesse ver como era divertido deixá-lo assim.
Camilo poderia ser padre se quisesse, pois toda a sua seriedade com relação as coisas, ao mundo, as pessoas, aos animais era clerical e i-n-s-u-p-o-r-t-á-v-e-l.
- Qual é Bárbara? – gritou correndo atrás de mim.
- Sai, sai! Vai ler teu bilhete misterioso – desprezei-o.
Mergulhei fundo para tentar fugir dele, mas quando voltei à superfície ele estava esperando com uma cara de reprovação.
- Muito bom para alguém que tem medo de tubarões.
- Só tenho medo dos tubarões do Discovery.
Então ele riu, parecia livre quando ria jogando a cabeça pra trás, nem de longe lembrava o Camilo clerical, seu riso era lascivo e seus olhos tornavam-se maliciosos. Quando ele ria nós éramos iguais, dois monstrinhos de pele clara, cabelos escuros e olhos negros de puro escárnio.
- Você está tremendo – disse jogando água nele.
- Não, Babi! Essa água está muito gelada – encolheu-se de frio.
- Ahh, fresco!
Joguei mais água nele e sem que eu pensasse em me defender, lançou-se contra mim e arrastou-me para o fundo.
Eu via as bolhas de ar saindo de minha boca e subindo em espiral até a superfície, enquanto a água invadia meus pulmões. Mas logo seus braços afrouxaram e eu subi junto delas.
- MONSTRO – gritei.
Tossi, cuspindo água e ele me olhava segurando uma gargalhada que se formava em seu peito.
- Idiota! Você é o maior idiota de todo o litoral.
Eu estava muito brava e continuava tossindo, meu nariz ardia e meus olhos lacrimejavam por conta do sal.
- Desculpa – disse quase rindo.
- Acho bom você nem falar comigo, desgraça.
Andei em direção a areia, atravessando as ondas e desviando das algas.
Alcancei meu vestido, o chacoalhei para retirar toda a areia dele e o vesti. Camilo saia do mar com um sorriso cadeado atrás dos lábios.
- Pode rir – disse.
Sua camiseta estava ao meu lado e quando ele estava quase se abaixando para juntá-la, a vontade foi maior que eu e chutei toda a areia possível sobre ela, Camilo parou de andar e me encarou com aquela cara sonsa de reprovação constante e eu sorri para ele.
- Bom dia, Camilo – comecei a andar. Ah! Não esqueça teu bilhete interessantíssimo.
Ele bufou e resmungou alguma coisa enquanto limpava a areia da camisa, eu segui pelo calçadão.
Andei rápido até dobrar a esquina para que não me alcançasse, mas ele era mais rápido e nosso caminho era o mesmo, pois estávamos em casas vizinhas. Duas casas depois da esquina ouvi seus passos atrás de mim, era cedo demais e não havia nenhum barulho além de nossos passos nervosos.
- Owww Barbi, não fiz por mal – rendeu-se atrás de mim.
Não respondi, continuei andando e não olhei trás para saber se estava longe ou perto.
- Não tem porque ficar sem falar comigo. Olha para mim, Bárbara.
Olhei rapidamente para ele, mas não parei.
Então ele correu e me pegou pelo braço.
- Não enche – disse a ele.
Tinha vontade de rir, ele era tão inocente que chegava a doer em mim.
- Era brincadeira.
- Você tem noção de quanto esperma de baleia eu engoli?!
Ele não saberia a resposta.
- Não, é você que assiste Discovery o dia todo.
Encarei-o e talvez parecesse que eu sentia raiva, porque ele recuou dois passos.
- Desculpa?
Desculpava-se como quem comete um crime e deliciava-me o brilho opaco de culpa em seus olhos.
- Tá! Tudo bem – disse. Vamos logo que eu quero dormir.
Caminhamos em silêncio por alguns minutos, até que o sono e o cansaço me pagassem pelas pernas, literalmente.
- Se andar mais devagar eu vou ter que andar para trás pra te acompanhar – disse.
- Eu cansei – a voz mais arrastada que meus pés - me carrega?
- E como se pede?
- Insuportável você – reclamei.
- Ah, certo! Vá andando então.
- Por favor – parecia tão dissimulada e cínica quando fazia o que ele pedia.
Se fossemos letras ele seria maiúscula e eu minúscula, logo poderia fazer minha vontade, e fez. Colocou-me em suas costas, assim como as macacas-mãe fazem com seus filhotes e me carregou rua a fora, até chegarmos ao portão.
- Está entregue – disse colocando-me no chão – consegue abrir a porta?
[ Continua ]
segunda-feira, 8 de março de 2010
Ao leitor imaginário (ou sem dedos)
Eu prefiro que não tenha dedos, não é um agouro, absolutamente
Antes não tenha dedos do que seja alucinação minha, pois eu alucino o tempo todo e frequência e repetição me enjoam.
Leitores com dedos, comentem.
Leitores sem dedos, tentem a língua ou os dedos de outra pessoa!
PS.aos sem dedos: espero que tua perda não tenha sido de uma forma dolorosa. Se foi, sinto muito!
Antes não tenha dedos do que seja alucinação minha, pois eu alucino o tempo todo e frequência e repetição me enjoam.
Leitores com dedos, comentem.
Leitores sem dedos, tentem a língua ou os dedos de outra pessoa!
PS.aos sem dedos: espero que tua perda não tenha sido de uma forma dolorosa. Se foi, sinto muito!
segunda-feira, 1 de março de 2010
Dentro de Você - Fim!
- Eu tinha aonde me apoiar antes – uma lágrima escorreu solitária por meu rosto.
Lucas não tinha mais o que dizer e o silêncio se fez presente mais uma vez.
O vento ficava mais forte com o entardecer e o frio mais intenso, meu queixo batia e eu tremia com o ar gélido.
- Estou com frio –disse.
- Quer ir agora? – perguntou Lucas.
- Não quero deixá-lo aqui – uma máscara de dor tomava meu rosto toda vez que eu pensava em abandoná-lo naquele cemitério.
- Uma hora você vai ter que ir.
- Eu sei. Vamos ficar mais uns minutos. Quero deixar velas para ele, logo vai escurecer.
Levantei e fui em direção a seu túmulo. Lucas seguiu-me.
Tirei da bolsa dois sacos de velas e acendi todas ao lado de seu túmulo aonde o vento não chegava para apagá-las.
- Não vai ficar tão escuro agora, amor – falei olhando seu túmulo.
- Medroso – disse Lucas.
Repreendi com um olhar e ele sorriu tristemente.
Nós deixamos o cemitério quando a luz do dia já tinha partido e a relutância dos meus sentidos deixou-me estagnada ao portão.
- Vou ficar – disse chorando.
- Amanhã a gente volta.
- Promete?
- Prometo – abraçou-me e praticamente me carregou até o carro.
Meu quarto era tão vazio sem os barulhos constantes que ele fazia e sua risada infantil, não fiquei no quarto por muito tempo, lá dentro a ausência se fazia maior.
Comi duas colheradas de uma sopa ruim e fiquei até às quatro horas da manhã no sofá olhando para os miniburacos no teto branco, contando e recontando tentando formar figuras ligando um ao outro e quando as retas formaram um L resolvi levantar-me e ir para cama.
Vesti um travesseiro com a camisa que ele havia esquecido ali, afundei meu rosto nele para que todo o perfume entrasse por minhas narinas e chorei baixinho até entrar no estágio de quase sono.
Foi aí que eu senti uma esperança surgindo dentro de mim, uma luz vindo lá do outro lado da galáxia.
- Bibs – ouvi.
Só uma pessoa no mundo me chamava assim e essa pessoa havia morrido.
- Levi? Perguntei sentando na cama.
Precisei de alguns segundos para minha visão acostumar-se com o breu total e não havia nada lá dentro além de móveis e roupas espalhadas. Acendi o abajur, olhei em volta e nada, bom, eu deveria estar delirando.
Levantei e fui até a cozinha pegar um copo d’água e em minha geladeira ainda estava colado seu bilhete carinhosamente debochado: “Fui comprar sorvete. Não chore, eu volto logo”. E embaixo dele eu havia escrito “eu sobrevivo”. Que irônico ler isso agora, não sei quanto mais eu sobreviverei, esperar que ele voltasse do mercado, do trabalho ou da sorveteria era fácil, mas agora ele não voltaria e eu não sabia como agir diante dessa falta desesperadora.
Retornei ao quarto envolta em todos esses pensamentos, abracei o travesseiro onde estava sua camisa e fiquei pensando em como sobreviver, por quem e porquê seguir. Eu não tinha razões para seguir, queria ficar no passado, vivê-lo novamente, não queria uma vida e um mundo onde Levi não existisse e mais uma vez eu chorei por incontáveis minutos afogando-me em soluços desesperados e grunhidos de dor.
Nenhuma perda na minha vida inteira se comparava a essa, nenhuma dor poderia ser maior, eu estava tão sufocada e tão desesperada que não respondia mais por mim, gritava com o rosto enfiado no travesseiro, suplicava para que voltasse, para que fizesse parar, para dizer que iria ficar e nunca mais partiria.
Nada aconteceu, foi tudo em vão e aquela desgraça corroia-me por dentro, como se fosse ácido sulfúrico.
Minhas forças estavam se esvaindo e eu fiquei encolhida e imóvel apenas sentido as lágrimas caírem dos meus olhos e molharem o travesseiro até a exaustão me nocautear e pregar meus olhos.
Na manhã seguinte o toque alto do telefone despertou-me e por um segundo imaginei que fosse Levi para me desejar um bom dia e me fazer ter certeza de que tudo aquilo tinha sido um pesadelo, mas a realidade se fez presente.
- Alô?
- Oi Rô! Sou eu, Lucas.
- Ah, claro.
- Liguei para saber como você está – disse.
- Viva, infelizmente.
- Não fala assim, você vai conseguir.
- Não quero falar sobre isso.
- Ok, você quer voltar lá hoje? – perguntou.
- Sim – assenti.
Duas horas depois Lucas chegou para voltarmos ao cemitério.
- Quero ir sozinha – disse a ele quando chegamos ao portão.
- Tá, eu espero no carro.
Andei até seu tumulo segurando o choro que se amontoava em minha garganta.
Sentei em cima do tumulo com as pernas cruzadas e olhei por algum tempo a foto sobre o epitáfio.
- Oi – disse a ele que jazia lá no fundo. - Espero que não seja tão ruim aí, senti-me feliz ontem quando ouvi tua voz me chamando, queria ter ido junto, não quero ficar aqui sozinha, tenho medo do mundo sem você.
As palavras saiam salgadas com as lágrimas que escorriam face a baixo.
- Ah, desculpa por ter dito aquelas coisas ao padre ontem, eu sei que te chateia a minha descrença, mas eu espero do fundo do meu coração que você tenha encontrado o teu céu e que nele haja todos aqueles anjos bonitos que descrevem os livros.
Fiquei sentada lá mais de uma hora e até o resultado dos jogos e os recados dos amigos eu contei a ele entre uma crise de choro e outra, então resolvi que era hora de voltar, acendi outro pacote de velas e voltei para o carro lutando contra a insanidade que queria que meus pés girassem e voltassem para ficar com ele.
Os dias que se passaram foram longos como anos, toda amanhã eu ia até o cemitério e conversava com ele, as vezes voltava escondida a tarde e pulava a grade lateral se o portão estivesse trancado, precisava conversar com ele, pois eu não tinha mais ninguém que pudesse compreender a dor que arruinava meu ser.
Quando voltava do cemitério vestia suas roupas que estavam na minha casa e borrifava seu perfume nos cômodos e com o chegar da noite as coisas se complicavam, às 20 horas quando ele deveria chegar do trabalho não havia barulho de chaves na minha porta, nem músicas assoviadas vindo do começo do corredor e o silêncio que se instalava dentro de casa era aterrador.
Antes de dormir eu conversava com as paredes imaginando que ele pudesse me escutar, pedia que voltasse ou que me levasse junto e mais uma vez chorava incontrolavelmente até que o sono me derrubasse, levando-me para mais uma madrugada desesperadora de pesadelos terríveis.
No décimo dia após sua morte acordei aturdida em razão de algum pesadelo repetido. Eram sete horas da manhã, cedo demais para Lucas vir me buscar, então resolvi ir sozinha até o cemitério.
Caminhei por quase duas horas para chegar até lá, o portão já estava aberto e minhas pernas sabiam qual caminho deveriam seguir.
- Oi Levi – minha garganta ainda tinha aquele nó que não se desfazia por nada.
Sentei-me em seu túmulo e ali permaneci quieta por um tempo, não tinha muito a dizer a ele essa manhã. Girava sua aliança em meu dedo quando o ouvi novamente.
- Bibs – chamava.
- Aqui! Disse levantando e olhando ao redor.
Seria possível encontrá-lo? Daria minha vida por isso.
Caminhei por entre túmulos procurando por ele enquanto sua voz ressoava em minha cabeça.
Agora eu corria por entre túmulos e jazigos atrás de um rastro que fosse e mais uma vez sua voz me surpreendeu.
- Escute – disse.
Minhas pernas travaram bruscamente e eu fiquei imóvel.
- Onde você está? Por favor, Levi, apareça e leve-me com você. Por favor.
Não respondia minha perguntas, apenas repetia.
- Escute, preciso que escute.
Foi o que eu fiz, detive-me ao som que vinha de algum lugar e quando estava completamente atenta ele disse:
- Dentro de você está a razão para continuar, dentro de você.
E foi só, não havia mais som algum no cemitério e aquelas palavras ficaram martelando na minha cabeça enquanto eu andava feito uma louca até a saída.
Passei pelo vigia repetindo as palavras que tinha escutado, elas não faziam sentido para mim.
Caminhei por ruas ermas até chegar à avenida, minhas pernas iam sozinhas enquanto minha mente continuava imersa em suas palavras.
Não vi de qual lado o carro veio, só ouvi o som dos pneus freando no asfalto e depois escuridão total.
Vi Levi sorrindo e repetindo as palavras que havia dito no cemitério, não podia tocá-lo, mas sabia que estava ali comigo.
- Moça, moça – uma voz carregou-me para longe de Levi.
Meus olhos abriram e eu reconheci aquele lugar. A emergência do hospital.
Tentei erguer-me, mas uma enfermeira não deixou com que eu o fizesse.
- Como é seu nome?
- Roberta Bertoncelli – respondi.
- Quantos anos você tem?
- 23.
- Nós não conseguimos entrar em contando com nenhum conhecido seu, pois seu celular precisa de senha para ser ligado.
- A senha é 1526. Ligue para Lucas, seu número está nas chamadas efetuadas.
- Ok! Chamaremos ele.
- O que aconteceu comigo? – perguntei.
Ainda estava confusa, com as palavras de Levi se repetindo em minha cabeça que doía.
- Você foi atropelada na avenida principal por um carro em alta velocidade, mas está tudo bem com você e com o seu bebê.
- Bebê?
E mais uma vez sua voz ecoou em minha cabeça: "dentro de você".
Lucas não tinha mais o que dizer e o silêncio se fez presente mais uma vez.
O vento ficava mais forte com o entardecer e o frio mais intenso, meu queixo batia e eu tremia com o ar gélido.
- Estou com frio –disse.
- Quer ir agora? – perguntou Lucas.
- Não quero deixá-lo aqui – uma máscara de dor tomava meu rosto toda vez que eu pensava em abandoná-lo naquele cemitério.
- Uma hora você vai ter que ir.
- Eu sei. Vamos ficar mais uns minutos. Quero deixar velas para ele, logo vai escurecer.
Levantei e fui em direção a seu túmulo. Lucas seguiu-me.
Tirei da bolsa dois sacos de velas e acendi todas ao lado de seu túmulo aonde o vento não chegava para apagá-las.
- Não vai ficar tão escuro agora, amor – falei olhando seu túmulo.
- Medroso – disse Lucas.
Repreendi com um olhar e ele sorriu tristemente.
Nós deixamos o cemitério quando a luz do dia já tinha partido e a relutância dos meus sentidos deixou-me estagnada ao portão.
- Vou ficar – disse chorando.
- Amanhã a gente volta.
- Promete?
- Prometo – abraçou-me e praticamente me carregou até o carro.
Meu quarto era tão vazio sem os barulhos constantes que ele fazia e sua risada infantil, não fiquei no quarto por muito tempo, lá dentro a ausência se fazia maior.
Comi duas colheradas de uma sopa ruim e fiquei até às quatro horas da manhã no sofá olhando para os miniburacos no teto branco, contando e recontando tentando formar figuras ligando um ao outro e quando as retas formaram um L resolvi levantar-me e ir para cama.
Vesti um travesseiro com a camisa que ele havia esquecido ali, afundei meu rosto nele para que todo o perfume entrasse por minhas narinas e chorei baixinho até entrar no estágio de quase sono.
Foi aí que eu senti uma esperança surgindo dentro de mim, uma luz vindo lá do outro lado da galáxia.
- Bibs – ouvi.
Só uma pessoa no mundo me chamava assim e essa pessoa havia morrido.
- Levi? Perguntei sentando na cama.
Precisei de alguns segundos para minha visão acostumar-se com o breu total e não havia nada lá dentro além de móveis e roupas espalhadas. Acendi o abajur, olhei em volta e nada, bom, eu deveria estar delirando.
Levantei e fui até a cozinha pegar um copo d’água e em minha geladeira ainda estava colado seu bilhete carinhosamente debochado: “Fui comprar sorvete. Não chore, eu volto logo”. E embaixo dele eu havia escrito “eu sobrevivo”. Que irônico ler isso agora, não sei quanto mais eu sobreviverei, esperar que ele voltasse do mercado, do trabalho ou da sorveteria era fácil, mas agora ele não voltaria e eu não sabia como agir diante dessa falta desesperadora.
Retornei ao quarto envolta em todos esses pensamentos, abracei o travesseiro onde estava sua camisa e fiquei pensando em como sobreviver, por quem e porquê seguir. Eu não tinha razões para seguir, queria ficar no passado, vivê-lo novamente, não queria uma vida e um mundo onde Levi não existisse e mais uma vez eu chorei por incontáveis minutos afogando-me em soluços desesperados e grunhidos de dor.
Nenhuma perda na minha vida inteira se comparava a essa, nenhuma dor poderia ser maior, eu estava tão sufocada e tão desesperada que não respondia mais por mim, gritava com o rosto enfiado no travesseiro, suplicava para que voltasse, para que fizesse parar, para dizer que iria ficar e nunca mais partiria.
Nada aconteceu, foi tudo em vão e aquela desgraça corroia-me por dentro, como se fosse ácido sulfúrico.
Minhas forças estavam se esvaindo e eu fiquei encolhida e imóvel apenas sentido as lágrimas caírem dos meus olhos e molharem o travesseiro até a exaustão me nocautear e pregar meus olhos.
Na manhã seguinte o toque alto do telefone despertou-me e por um segundo imaginei que fosse Levi para me desejar um bom dia e me fazer ter certeza de que tudo aquilo tinha sido um pesadelo, mas a realidade se fez presente.
- Alô?
- Oi Rô! Sou eu, Lucas.
- Ah, claro.
- Liguei para saber como você está – disse.
- Viva, infelizmente.
- Não fala assim, você vai conseguir.
- Não quero falar sobre isso.
- Ok, você quer voltar lá hoje? – perguntou.
- Sim – assenti.
Duas horas depois Lucas chegou para voltarmos ao cemitério.
- Quero ir sozinha – disse a ele quando chegamos ao portão.
- Tá, eu espero no carro.
Andei até seu tumulo segurando o choro que se amontoava em minha garganta.
Sentei em cima do tumulo com as pernas cruzadas e olhei por algum tempo a foto sobre o epitáfio.
- Oi – disse a ele que jazia lá no fundo. - Espero que não seja tão ruim aí, senti-me feliz ontem quando ouvi tua voz me chamando, queria ter ido junto, não quero ficar aqui sozinha, tenho medo do mundo sem você.
As palavras saiam salgadas com as lágrimas que escorriam face a baixo.
- Ah, desculpa por ter dito aquelas coisas ao padre ontem, eu sei que te chateia a minha descrença, mas eu espero do fundo do meu coração que você tenha encontrado o teu céu e que nele haja todos aqueles anjos bonitos que descrevem os livros.
Fiquei sentada lá mais de uma hora e até o resultado dos jogos e os recados dos amigos eu contei a ele entre uma crise de choro e outra, então resolvi que era hora de voltar, acendi outro pacote de velas e voltei para o carro lutando contra a insanidade que queria que meus pés girassem e voltassem para ficar com ele.
Os dias que se passaram foram longos como anos, toda amanhã eu ia até o cemitério e conversava com ele, as vezes voltava escondida a tarde e pulava a grade lateral se o portão estivesse trancado, precisava conversar com ele, pois eu não tinha mais ninguém que pudesse compreender a dor que arruinava meu ser.
Quando voltava do cemitério vestia suas roupas que estavam na minha casa e borrifava seu perfume nos cômodos e com o chegar da noite as coisas se complicavam, às 20 horas quando ele deveria chegar do trabalho não havia barulho de chaves na minha porta, nem músicas assoviadas vindo do começo do corredor e o silêncio que se instalava dentro de casa era aterrador.
Antes de dormir eu conversava com as paredes imaginando que ele pudesse me escutar, pedia que voltasse ou que me levasse junto e mais uma vez chorava incontrolavelmente até que o sono me derrubasse, levando-me para mais uma madrugada desesperadora de pesadelos terríveis.
No décimo dia após sua morte acordei aturdida em razão de algum pesadelo repetido. Eram sete horas da manhã, cedo demais para Lucas vir me buscar, então resolvi ir sozinha até o cemitério.
Caminhei por quase duas horas para chegar até lá, o portão já estava aberto e minhas pernas sabiam qual caminho deveriam seguir.
- Oi Levi – minha garganta ainda tinha aquele nó que não se desfazia por nada.
Sentei-me em seu túmulo e ali permaneci quieta por um tempo, não tinha muito a dizer a ele essa manhã. Girava sua aliança em meu dedo quando o ouvi novamente.
- Bibs – chamava.
- Aqui! Disse levantando e olhando ao redor.
Seria possível encontrá-lo? Daria minha vida por isso.
Caminhei por entre túmulos procurando por ele enquanto sua voz ressoava em minha cabeça.
Agora eu corria por entre túmulos e jazigos atrás de um rastro que fosse e mais uma vez sua voz me surpreendeu.
- Escute – disse.
Minhas pernas travaram bruscamente e eu fiquei imóvel.
- Onde você está? Por favor, Levi, apareça e leve-me com você. Por favor.
Não respondia minha perguntas, apenas repetia.
- Escute, preciso que escute.
Foi o que eu fiz, detive-me ao som que vinha de algum lugar e quando estava completamente atenta ele disse:
- Dentro de você está a razão para continuar, dentro de você.
E foi só, não havia mais som algum no cemitério e aquelas palavras ficaram martelando na minha cabeça enquanto eu andava feito uma louca até a saída.
Passei pelo vigia repetindo as palavras que tinha escutado, elas não faziam sentido para mim.
Caminhei por ruas ermas até chegar à avenida, minhas pernas iam sozinhas enquanto minha mente continuava imersa em suas palavras.
Não vi de qual lado o carro veio, só ouvi o som dos pneus freando no asfalto e depois escuridão total.
Vi Levi sorrindo e repetindo as palavras que havia dito no cemitério, não podia tocá-lo, mas sabia que estava ali comigo.
- Moça, moça – uma voz carregou-me para longe de Levi.
Meus olhos abriram e eu reconheci aquele lugar. A emergência do hospital.
Tentei erguer-me, mas uma enfermeira não deixou com que eu o fizesse.
- Como é seu nome?
- Roberta Bertoncelli – respondi.
- Quantos anos você tem?
- 23.
- Nós não conseguimos entrar em contando com nenhum conhecido seu, pois seu celular precisa de senha para ser ligado.
- A senha é 1526. Ligue para Lucas, seu número está nas chamadas efetuadas.
- Ok! Chamaremos ele.
- O que aconteceu comigo? – perguntei.
Ainda estava confusa, com as palavras de Levi se repetindo em minha cabeça que doía.
- Você foi atropelada na avenida principal por um carro em alta velocidade, mas está tudo bem com você e com o seu bebê.
- Bebê?
E mais uma vez sua voz ecoou em minha cabeça: "dentro de você".
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