segunda-feira, 22 de março de 2010

Bilhetes - continuação.

- Eu não to bêbada!
- Mas parece – riu.
- Muito espirituoso! Pode ir dormir agora – empurrei-o pra fora - Obrigada pela carona – sorri.
- Disponha – riu também - Até amanhã.
- Até.
Nem o vi entrando em casa, nem minha porta abrindo, parecia um zumbi enquanto andava até o quarto. Cai na cama e capotei.
O calor do meio-dia me acordou, mas eu continuei na cama esperando que a preguiça fosse embora. Havia movimento dentro de casa, na TV a mulher do telejornal noticiava uma desgraça, na cozinha o barulho das panelas e do abre e fecha da geladeira, meu pai conversando com alguém na sala e gritando para minha mãe que estava na cozinha “NÃO COLOCA MAIS KNORR, NÃO COLOCA MAIS KNORR!”, depois voltava a resmungar com a pessoa perto dele.
Lá fora o portão bateu com força e minha mãe gritou “QUEBRAAA”, e quem entrou quase corria, pois seus passos eram audíveis.
- Bárbara já acordou? – perguntou Camilo
- Nãããão – gritei.
- Respondido – disse minha mãe rindo – Pode entrar, ela está no quarto.
Nos conhecíamos há anos, não havia problemas em ficarmos sozinhos no quarto, pelos menos para os meus pais não havia.
- Achei outro – disse histérico.
- Vai se danar – sentei na cama – Não acredito que você foi procurar outro.
- Eu não procurei, estava passando lá e encontrei.
Mentia tão mal para um padre juvenil, precisava aperfeiçoar isso, pois padres mentem bem.
- Mentira!
- Tá é mentira – disse.
Claro que é mentira, quando mentia um luminoso ficava piscando em sua testa “MENTIRA, MENTIRA, MENTIRA”.
Fiquei olhando esperando que falasse algo ou lesse aquilo de uma vez por todas.
- Tá – gritei – Tá esperando o quê?
Pulou com meu grito e tirou outro papel amarelo do bolso.
- É chegada num amarelo a criatura, hein?!
- Se você não fizer observações, eu conto – já começou a se ofender por conta de um pedaço de papel e tinta azul.
- Bueno! Não vou falar mais - emudeci.
- Eu fui à praia pensando em ficar espiando até alguém aparecer para que eu pudesse descobrir ...
- Ahhh Zeeeeusss, tu tá louco? Vai se meter com quem tu nem conhece, o que tu tem na cabeça?
Me censurou com um olhar e não falou por alguns segundos.
- Não falo mais, pode continuar – disse impaciente.
- Então, como eu ia dizendo, fui até lá descobrir quem era a pessoa, mas o bilhete já estava no lugar, aí eu peguei-o e esperei alguém aparecer e nada, e já que ninguém apareceu reivindicando seu bilhete, eu corri para lê-lo pra ti.
- Lê, então!
- É assim:
“ A vitalidade foi embora, penetrou o oceano dentro de uma garrafa de vidro”.
- Hm?
- Só!
- Nossa! Terra a vista, Camilo. Descobriu a luz elétrica depois dessa.
Inacreditável como ele achava aquilo interessante e como levava a sério aquela pasmaceira de bilhete amarelo com mensagens sem nexo algum.
- Hmm!
- Para de falar “hum”, isso irrita.
- Desculpa, mas quer que eu diga o que?
- Sei lá!
- Hummm – ri.
- Besta – riu também.
- Vai continuar com isso?
- Tô curioso, queria ao menos ver quem é a pessoa.
NÃO ACREDITO. NÃO DÁ PRA ACREDITAR.
- Mas pra quê?
Precisava fingir que aquilo era normal, mas Camilo era mentalmente retardado.
- Eu não sei Bárbara, eu quero.
- Ah, sim. Vai lá então.
Ele não ia desistir mesmo que fosse e fizesse o que achava certo, eu não era mãe de ninguém. Talvez a mãe dele soubesse, por mim, mas seria para o bem dele porque, sem dúvida ele estava fazendo algo perigoso.
- Você vai contar, não é?
Não precisava nem esconder mais, ele tinha consciência.
- Uhum, eu vou.
- Por quê? – esbravejou.
- Porque isso está errado, porque é perigoso.
- Tudo é perigoso pra ti, até uma poça d’água é perigosa.
- O que tem a ver a poça d’água?
- Nada.
- Ah, muito claro.
Ele devia estar enlouquecendo, agora ele passava a não fazer sentido. Ficou agitado, andando no quarto, meio que rondando minha cama com aquele pedaço de papel na mão.
- Vem comigo amanhã?
- Que?
- Amanhã eu vou voltar lá às 8 horas, vem junto comigo?
- Não, Camilo.
- Por quê?
- Porque eu não sou burra.
Ele nem falou, saiu do meu quarto, respondeu algo a minha mãe e foi embora. Eu não iria à mesma praia que ele hoje, não queria conversar sobre isso, mas e amanhã o que eu vou fazer, deixá-lo sozinho?! Segui-lo, é isso que eu farei.
A situação fica cada vez mais estranha. Seguir Camilo que segue outra pessoa, eu sou perseguidora do perseguidor.
Se ele descobrir vou ter sermão para um ano inteiro e se ele virar padre – é mais deboche meu do que realidade - vou ter penitências até a morte.
O dia passou arrastado e eu fui dormir mais cedo para chegar logo no outro dia, planejei fazer um caminho diferente para entrar na praia na direção contraria de Camilo e provavelmente a direção em que o cara – ou a mulher - do bilhete viria.
Sete horas eu estava de pé e tomei meu rumo, as ruas estavam vazias, só o que se ouvia eram os pássaros e o vento nas árvores, entrei em uma padaria que estava aberta comprei um suco de uva e andei até a praia.
Na minha frente ia uma mulher loira, cabelo cheio de cachos com um vestido branco. Pensei que poderia ser ela, mas porra, que clichê. Só faltava ela correr na praia com os olhos cheios de lágrimas sofrendo por um amor perdido. B-O-B-A-G-E-M.
Antes de chegar à praia a mulher entrou em um prédio, não era ela, ainda bem, pois seria ridículo, eu riria de Camilo por ter seguido aquele clichê ambulante.
Uma família saia de casa com cadeiras e guarda-sol para tostar no sol da manhã.
E eu seguia caminhando, bebendo meu suco de uva, cantarolando às vezes
Ouvi alguém andando atrás de mim, cheguei a pensar que pudesse ser Camilo tentando me pegar, mas não era[...]

[ continua ]

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