segunda-feira, 29 de março de 2010

Bilhetes - Final

Atrás de mim vinha um homem de roupa escura, pequeno - 1,65m no máximo – sua pele era característica, parecia um pescador após um banho de sol.
Não liguei para ele, continuei andando, aí os passos ficaram mais próximos. Quanto mais alto ficava o som dos passos dele, mais rápidos ficavam os meus passos. Estava quase correndo e pensei ‘puta merda’ quando o suco de uva caiu no vestido claro.
O cara gritou alguma coisa atrás de mim, não olhei, continuei correndo, aí ele gritou de novo:
- Hey menina, para!
Eu parei, foi burrice, mas eu parei. Não adiantaria correr, hora ou outra ele me alcançaria.
- Fala – disse a ele.
- Eu conheço você, estava junto daquele cara de cabelo cacheado, lá na praia, quando ele pegou meu bilhete.
Era ele o cara do bilhete, um pescador com o capuz do moletom tampando a metade da testa em pleno verão.
- Sim, eu estava com ele – respondi.
Deu dois passos na minha direção, seu rosto ficou próximo ao meu, seus olhos claros ficaram vivos por um instante, enquanto me encarava.
De repente sua mão agarrou meu pescoço com força para impedir o fluxo de ar.
- Aquele cara ta me perseguindo, não quero vocês no meu caminho, entendeu?
Eu me debatia e tentava empurrá-lo, mas o desgraçado era forte, forte mesmo.
- Não quero vocês por perto, não quero que ele pegue meus recados, não são para ele – sua fala era colérica, grunhia entre dentes.
Acumulei o pouco de razão que me restava e enfiei meus polegares nos seus olhos e empurrei com toda a minha força, então ele me soltou.
- Vadia – gritou levando as mãos ao rosto.
Eu corri, corri o máximo que pude até chegar à praia, estava a mais ou menos uma quadra de lá.
Dava para ouvir o barulho do mar misturado com o som alto dos passos do homem correndo atrás de mim. Cheguei a esquina beira-mar e atravessei a avenida vazia, onde estavam as pessoas?
O cara gritou de novo e quando olhei para o lado vi Camilo andando no calçadão.
- Camilo – gritei, mas ele não ouviu.
Gritei mais uma vez e novamente ele não olhou em minha direção.
- Para, sua vadia – o cara gritava atrás de mim.
Devia estar a menos de 3 metros.
- Camilo – berrei tão alto que meus pulmões doeram.
Camilo olhou no mesmo instante em que o cara me puxou pelos cabelos.
Eu cai e bati a cabeça, mas a areia amorteceu a queda, o cara montou em cima de mim, feito um bicho.
- Sai de cima de mim, asqueroso.
Gritava e estapeava seu rosto, enquanto ele tentava, inutilmente, segurar meus braços.
- Eu vou matar o teu amigo e vou te matar também se não calar essa boca.
Camilo corria areia adentro, eu não conseguia gritar para que parasse, pois as mãos do homem estavam mais uma vez ao redor do meu pescoço.
- Larga ela – gritou Camilo – Larga, eu disse para largar.
O cara gemeu com chute que levou nas costelas e rolou para o lado.
- Foge Camilo, foge.
Eu gritava, mas ele não ouvia, estava em cima do homem esmurrando sua cara.
- Ele que te matar, corre.
Ele não ouvi, só batia no cara. Parecia cego, seu rosto estava vermelho, como se todo o sangue tivesse subido para suas bochechas e ele batia sem parar.
Eu vi quando o homem levou a mão no bolso e me joguei em cima deles e senti algo arder na minha pele.
- Não – gritou Camilo.
Deu outro soco no cara que arrancou a faca da minha barriga e doeu mais. Sangrava muito, minha mão fazia pressão sobre o corte, enquanto os dois lutavam.
Eu gritei por socorro, mas na havia ninguém por perto, Camilo quase rosnava e um som arrebatador pulou de sua garganta quando a faca do homem entrou embaixo de suas costelas.
Ele caiu de joelhos e mais uma vez a faca entro em seu abdômen fazendo jorrar sangue dos ferimentos, ele enfiou inúmeras vezes a faca em Camilo.
Eu fazia força para me erguer, mas doía toda vez que eu forçava para levantar. Camilo gritou de dor mais uma vez e um ódio tomou conta de mim, não sei como, nem porque meu corpo se lançou sobre o homem. Mordi seu braço com toda a força até meus dentes doerem, mas ele era mais forte.
Jogou-me sobre o corpo de Camilo e eu senti a faca perfurar minha pele, rasgar meus músculos, parecia tocar meu órgãos, a dor paralisava e toda vez que a faca furava um tremor de dor corria minha espinha.
O rosto do homem, deformado pelos socos de Camilo, foi a última coisa que eu vi. Minha visão foi escurecendo a medita que o ar em meus pulmões se esvaia.
Camilo gemeu e o homem grunhiu movendo-se para ele, suponho que tenha lhe dado outra facada, pois o senti movendo-se embaixo de mim e ouvi seu suspirar. Suspirou como quem desiste de algo
As cores do céu foram sumindo num degrade de azul claro ao preto. Foi aí que a vida acabou, eu acho.

Um comentário:

  1. Muito bom!

    Trágico de novo, mas muito bom! Hahahahahaha.

    Imaginei um curta metragem baseado nessa caça ao dono dos bilhetes...

    Beijo!

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